Nova capa:
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SINOPSE
Doce desconhecido-E o resgate de uma vida!
Narra a vivência de Joyce a encantadora menina, que aos 13 anos de idade, sofreu erro de diagnóstico, foi dopada por médicos indo parar num hospital psiquiátrico de quinta categoria, sofreu maus-tratos, quando dopada indevidamente e tinha alucinações de falar com Deus. Estas alucinações eram lúcidas.
A trajetória retrata sua saga de doença e libertação, sonhando estar no céu e acordando no inferno.
É uma história real, sua vivência foi tão diferente.
Esta obra é trágica ou de extrema consternação, pode-se dizer, mesmo assim, é repleta de música, poesia... Então é aconselhável ler este livro... Próximo a um computador com internet, e colocar as músicas para tocar, no decorrer da leitura desta obra, no desenrolar da história, vão sendo citadas uma infinidade de músicas que fizeram parte do cenário de Joyce. Ouvindo estas músicas junto com a leitura, o leitor é remetido na história de forma impressionante.
Você vai se surpreender com esta história verídica.
Com personagens de anjos, demônios e Deus.
Você vai se emocionar, mas... Não leia se for muito medroso ou fraco, este livro é para os fortes!
Capítulo 01
Um
“holocausto” brasileiro.
Isabel chorava abraçada a Joyce. Era sabido que todos temiam ao eletrochoque, Isabel teve de se recompor. O médico não podia flagrar este lamento. Doutor 2424 trouxe o pianinho, e Joyce se agarrou em Isabel:
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SINOPSE
Doce desconhecido-E o resgate de uma vida!
Narra a vivência de Joyce a encantadora menina, que aos 13 anos de idade, sofreu erro de diagnóstico, foi dopada por médicos indo parar num hospital psiquiátrico de quinta categoria, sofreu maus-tratos, quando dopada indevidamente e tinha alucinações de falar com Deus. Estas alucinações eram lúcidas.
A trajetória retrata sua saga de doença e libertação, sonhando estar no céu e acordando no inferno.
É uma história real, sua vivência foi tão diferente.
Esta obra é trágica ou de extrema consternação, pode-se dizer, mesmo assim, é repleta de música, poesia... Então é aconselhável ler este livro... Próximo a um computador com internet, e colocar as músicas para tocar, no decorrer da leitura desta obra, no desenrolar da história, vão sendo citadas uma infinidade de músicas que fizeram parte do cenário de Joyce. Ouvindo estas músicas junto com a leitura, o leitor é remetido na história de forma impressionante.
Você vai se surpreender com esta história verídica.
Com personagens de anjos, demônios e Deus.
Você vai se emocionar, mas... Não leia se for muito medroso ou fraco, este livro é para os fortes!
Capítulo 01
Um
“holocausto” brasileiro.
Quando abri meus olhos, eu nada pude
enxergar direito, sentia um torpor estranho, sentia muito frio e medo, minha
memória estava apagada, não lembrava quase nada do dia anterior. Tentava
descobrir como é que meu quarto... Havia ficado monstruosamente grande, cheio
de camas, com mulheres feias e assustadoras dormindo nelas...
Senti angústia, olhei ao teto, vi um
bolor no alto, o bolor desenhava uma imagem que parecia Jesus Cristo de mãos
unidas rezando a Deus. Achei incrível aquele desenho, e por um segundo me senti
confortada.
As trevas haviam chegado... Chorei
perdida, angustiada, muito magoada... Perdi a memória de meu próprio nome...
Ah, como seria meu nome? Ao visualizar uma extensão de trinta camas, parecia
estar numa enfermaria de um filme de guerra, mas o que estava acontecendo
afinal?
Ouvi um barulho de urina caindo no chão,
quem estava urinando no chão do meu quarto?
Fiquei nervosa, tentei me levantar, foi
quando percebi que estava amarrada, que absurdo, alguém está urinando no chão
do quarto, ah isto já é demais!
Era uma jovem de dezessete anos toda
nua, num frio que chegava a gear lá fora, urinando em pé bem ao lado de meu
leito, eu amarrada e amordaçada não podia nada dizer.
A moça nua era visivelmente retardada
mental e arrancou minha mordaça, e disse:
-vou arrancar seu óio!
- Óio?
Ela tentou enfiar o dedo sujo nos meus
olhos para arrancá-los, gritei freneticamente, bem alto mais do que pude. A animalesca ficou com medo do meu grito e
ficou encolhida no chão em posição fetal... Ela desistiu de arrancar meus
olhos.
Tive medo dela e muito frio também, este
medo aliado ao frio fez um “clic” em minha mente, sim a memória voltou, eu era
Joyce, tinha apenas treze anos, estava a mercê de um sanatório chamado
Sanatório dos Palmares!
Era onze de maio de 1979, a manhã mais
triste de minha vida... Chorei mais um pouco.
A rádio começou a tocar música lá fora,
e tocava Liverpool Express - You Are My Love, eu me transformei no meu
pior...
Agora eu me lembrava, minha família me
enganou, disseram que eu ia lá apenas tomar uma injeção e depois voltar para
casa, (mas não foi o que aconteceu), eles me largaram num filme de terror e
foram embora.
Lá dentro era assustador, sujo, nojento,
mas a parte externa parecia o céu, sempre escondendo a parte interna que era
sem dúvida o inferno. Aquele “hospital” era lindo por fora, uma mansão muito
bela, com um jardim imenso... Escondia maus-tratos e até assassinatos.
Minha memória voltou aos poucos, eu
estava impregnada e dopada, lembrei-me que no dia anterior, minha família
estava com encaminhamento para me internar, eu havia “surtado” e a despedida
foi estranha, todos choravam porque eu ia tomar esta injeção. Quando o carro
acelerou, olhei para trás e vi minha vó com um rosário na mão rezando, chorando
e acenando.
Na entrada da mansão, havia um raro cão
de guarda, era albino e assustador, bem branco, de olhos vermelhos, nunca vi
cachorro de olhos vermelhos, ele era real, mas parecia de pedra, era bonzinho
não fazia mal, mas parecia mau. Somente lá, no Sanatório dos Palmares havia um
cão como este!
Aquele cachorrinho era real, mas parecia
não ser deste mundo!
Senti medo dele, resistência de entrar
no “bondoso hospital” um local que segundo o médico era uma residência de
recuperação total e completa para moças desajustadas, e o médico garantiu à
minha mãe que eu ficaria boa... Mesmo que eu ficasse boa, o cachorro era
assustador e eu não queria entrar lá, chorei, tentei resistir, me convenceram a
entrar...
Eu prestava atenção às músicas que
tocavam nos lugares, as músicas me acalmavam... E no momento exato em que
entrei lá, tocava uma música chamada Don't
Let Me Be Misunderstood, de Santa Esmeralda.
Uma moça meiga, chamada Isabel, veio me
buscar, olhei para trás, vi minha mãe chorando, minha tia Noêmia consolando e
meu primo Celso também chorando... Fiquei assustada, pois acreditava que
tomaria uma injeção e iria embora. Mas acreditava também que a injeção que
estava por vir seria muito dolorida... Afinal todos ficavam chorando de pena de
eu tomar esta “injeção”.
A enfermeira mandou que eu desse um
abraço em minha mãe, achei bom, pois minha mãe só me abraçava no ano novo e não
mais além deste dia.
Ao entrar, vi uma quadra de tênis, um
pátio cheio de balanças e escorregadores, uma gruta de pedra que tinha um altar
com uma santa e mulheres aos montes, ajoelhadas, levando flores para a santa e
rezando desesperadas para saírem de lá.
E pelo que pude perceber, lá não era um
local agradável de ficar... Mas por outro lado pensei “Que bom que era só para tomar uma injeção e
ir embora” (ingenuamente pensei). Confiei que minha mãe não me deixaria naquele
hospício estranho, sim eu confiei. Depois da gruta, havia uma escada com
degraus largos e retangulares de pedras que me levavam ao salão principal do
hospício. O piso deste salão era xadrez quadriculado, em preto e branco de
lajotas bem grandes, dentro daquele salão haviam muitas mulheres feitas
misturadas às crianças e adolescentes... Todas descabeladas, descalças, algumas
nuas andando por lá, todas assustadoras e esquisitas, outras de cabeça raspada, pensei que o chão era um enorme
tabuleiro de xadrez, e as peças poderiam ser nós mesmas, eu queria ser a
rainha... Éramos manipuladas pelos médicos que faziam o que bem entendiam com
as peças.
Era muito frio lá, eu estava mal
agasalhada, de calça azul, uma blusa fina de moletom, nos pés sandálias de salto médio e meias, sentia frio nos pés.
Um bando de debochadas e com jeito de
bandidas e lésbicas, vieram rir de mim... Eu já estava cabisbaixa quase
chorando, com medo de ser abandonada pela família, e cada vez mais, apareciam
pessoas esquisitas e assustadoras.
Raquel era chefe de um bando de menores
infratoras da antiga FEBEM, hoje Fundação Casa, e era lésbica e internada lá
pela justiça, pois matou uma garota de 13 anos, beijava Laura na boca na minha
frente e queria me causar impacto do tipo “Eu faço o que eu quiser aqui”.
No grupo de Raquel também estava Joana,
uma prostituta, que tinha setenta e cinco anos e surtada numa delegacia foi
internada como louca num outro hospício em 1949 e já estava sendo transferida
de hospício em hospício... Ali nos Palmares, morava há cinco anos... Elas eram
delinquentes que rondavam o Sanatório dos Palmares inteirinho ameaçando a
todas.
O medo foi aumentando, elas faziam
gestos ameaçadores, até que Laura se aproximou:
- Quem é você nova debilóide?
- Sou uma atriz famosa
Respondi tentando me fazer passar por alguém
importante para não ser agredida.
Uma gargalhada uníssona saiu das
debochadas.
- Saiba atriz, que neste pedaço quem
manda sou eu. Se tentar alguma gracinha, eu te mato, você tem que obedecer e
ser boazinha.
- Eu só vim tomar uma injeção, logo vou
embora.
Riram mais ainda.
Raquel virou para sua amante Laura e
disse:
- Viu loira? A debilóide veio só tomar uma injeção (emitia
irritantes gargalhadas), ela já vai!
Raquel pulou em cima de mim e me
derrubou no chão:
- Não folgue no meu pedaço sua vaquinha
de quinta!
Vieram três enfermeiras e contiveram
Raquel. Fiquei chorando, tremendo de medo, eu tinha uma ponta de esperança de
sair de lá naquele dia mesmo...
Uma menina de dez anos de idade, baiana,
chamada Rosângela viu a cena e veio ao meu encontro, agradou meus cabelos, e
disse:
- Não tenha medo, sou sua amiga.
Rosângela pegou minha mão e me mostrou a
casa toda (um holocausto brasileiro). Aquele depósito de desvalidas era
dividido em seções, a E/F pertencia às retardadas mentais em chances de
recuperação e às recém-chegadas, a Seção C/D era para aquelas que estavam
melhorando, a seção B pertencia àquelas que estavam para receber alta... E me
olhou com muita seriedade:
- Jamais queira ficar na seção A...
- Mas... Por quê?
- A seção A... Pertence àquelas pessoas
que estão bem, estão de alta, porém a família jamais veio buscar, a seção de
mulheres e meninas que foram abandonadas pela família, estas que ninguém quer
de volta.
Neste momento seguramente pensei que ia
só tomar uma injeção e ir embora, não concebia a realidade de estar internada
num hospício.
A
casa era muito grande, passei muito tempo vendo as escadarias, os banheiros
nojentos com piolhos nadando na pia, rostos de mulheres descabeladas e sem
dentes, rindo sem ver nada... Mulheres nuas de cabeça raspada andando por lá,
em pleno frio, várias delas marchando de braços impregnados pelo Haldol.
Foi
um “tour” desolador. A pior cena, era avistar crianças aos milhares por lá,
crianças de sete a dez anos, misturadas às adultas e às delinquentes que
cumpriam pena...
Chorei, chorei muito. Além disto, eu
tinha muitas alucinações e confusões mentais, perdia a memória e via espíritos
aos montes vagando naquele local.
Que fique bem claro: Minha mãe era uma
ignorante e o que me deixou assim, foram os medicamentos psiquiátricos
inadequados, receitado por médicos inescrupulosos que não eram psiquiatras. Ela
me levou a um clínico geral e ginecologista, reclamando que eu fiquei
adolescente e estava rebelde, ele prontamente sem ser especialista, me receitou
dois remédios para psicóticos, somente porque minha mãe passou por ele e
reclamou que eu estava rebelde, para piorar ainda mais a situação, minha avó
pensava que era calmante e me dava doses excessivas, me levando a ter várias
alucinações e agressividade. Eles todos me drogaram, denúncia aqui, serve de
ensinamento a pais e educadores.
Rosângela me consolava, era bondosa, não
estava descolada da realidade, tinha a mente sã, foi internada lá, apenas por
ter problemas de gagueira.
Na hora do almoço, me levaram junto com
a seção E/F num lugar no quintal, numa cobertura onde serviam as refeições...
Era tudo muito nojento, a comida era nojenta... E as retardadas babavam,
tiravam a roupa, faziam coisas nojentas à mesa, além disto, elas tentavam
colocar as mãos sujas na minha comida e vi uma larva no alface... Fiquei com
muito nojo e angustiada, queria ir embora, não consegui comer.
A tarde foi se arrastando fria e longa,
a tarde mais fria de minha vida, eu era apaixonada por um menino chamado Marcos
e pensei:
“Marcos neste momento, provavelmente
estará na porta da minha escola, mas eu estou aqui esperando a injeção que não
chega nunca. Marcos não queria mais saber de mim, eu havia ficado com fama de
menina possuída pelo demônio e louca”.
Ele não queria meus sentimentos de
adolescente curiosa pela descoberta do amor, aquela tarde oferecia um sol
gelado de inverno, com nuvens negras ameaçando, triste panorama, embora fosse
outono ainda, a temperatura estava em 5 graus, mais ou menos, então tão triste,
eu me senti num inverno abandonado de tudo e de todos, e este inverno sem
amor... Pareceu com mergulhar na escuridão fria... Um passo para o adeus aos
meus melhores verões, nunca mais me livraria do estigma de “louca de hospício”,
eu achava que ia sarar da loucura, como quem sara de uma gripe, e que todos na
sociedade também iam encarar assim... Andei pelo pátio de árvores, ouvi as
folhas secas sendo pisoteadas pelas “loucas de hospício” que riam sem parar,
riam de quê? Por que riam tanto? Eu não me sentia parte daquilo tudo. Tudo que
eu queria era voltar a um lar que eu pensei ter, queria um cobertor xadrez para
me enrolar, uma televisão e um sofá, e uma mãe sorrindo que me amasse muito e
me entregasse feliz, um chocolate quente na caneca, mas eu tinha ali o abandono
e todas incertezas do mundo, o frio e o coração cheio de saudades... Marcos talvez estivesse com saudades de outro
alguém, que por sua vez quem sabe com saudades de outro alguém ainda... Mas não
dele!
O inverno abandonado também pode ser
minha mente, a se transformar um dia
numa torre de sucessos, cheia de ideias geniais, num futuro onde a tragédia se transformaria
num livro, escrito por outra pessoa que não eu, pois eu a Joyce jamais
suportaria escrever minha própria história e reviver isto tudo de novo,
solitária e embalada por este monólogo inútil e vazio... Para quem? Quem
poderia me entender? Para eclodir no universo das letras e se tornar mais um
texto poético sem a dor do Sanatório dos Palmares... Ontem foi o verão mais
lindo, eu era normal, tinha amigas, ensaiava coreografia por causa das
discotecas, hoje o vazio e a solidão me assombram, folhas secas caem aqui.
Este ruído misterioso de folhas, soa
como uma partida... Uma melodia triste executada por violinos, Marcos amo seus
olhos, de beleza delicada, mas no verão eu estava doce como chocolate, e você
preferiu contemplar a paisagem fria e parada na foto tirada de um trem que já
passou há muito tempo... Você está sempre fugindo do verdadeiro amor.... Quanto
tem nas mãos deixa escapar, quando perde lamenta em saudades... Melhor que eu
aprecie poéticos textos, artesanais e meus como raio de sol amarelo e macio de
outono!
Então... Escureceu e uma fila imensa de
“loucas” fazia um caracol na escada de cerâmica vermelha, a cerâmica era retangular,
milagrosamente brilhava, estava encerada, e limpa como por encanto, por volta
das seis da tarde, duas enfermeiras amassavam a medicação e colocavam em sujos
copos coloridos de plástico, misturando com água, e garantiam que a gente não
cuspisse... Apertando nosso nariz e obrigando a tomar a medicação esmagada.
Fiquei enfim aliviada, finalmente iria tomar a injeção para sair dali.
A enfermeira chamou uma paciente chamada
Noêmia (que era o mesmo nome da minha tia). Confundi a situação, pensei que ela
estivesse chamando minha tia pra me buscar, sem lógica na cabeça... Acreditei
que minha mãe e minha tia, passaram o dia todo do lado de fora esperando eu
tomar injeção, para me levar pra casa...
Indaguei à enfermeira:
- A senhora já está chamando minha tia
Noêmia? Mas por que razão? Eu ainda nem tomei a injeção!
A enfermeira era estressada e muito
estúpida:
- Você quer tomar injeção?
- Sim, minha mãe disse que eu ia somente
tomar injeção e ir embora, por que, algum problema?
A enfermeira, de modo sádico, gargalhou
com prazer, depois disse:
- Sua otária, você é bem tonta mesmo,
sua mãe te internou aqui, você é “xarope”, não vai sair daqui nunca, sua mãe
foi embora faz tempo, sua tia Noêmia também já foi embora faz tempo, nós não
sabemos se um dia ela volta pra te ver ou pra te buscar (ria sadicamente bem
alto, incitava às outras pacientes a rirem de mim também). As debochadas
começaram a rir junto com a enfermeira, e cantar uma música que diziam assim:
“ É louca, é louca, é louca, sanatório é
isso aí, começa na Rua Prates e termina no Palmares”...
- Ah, que idiota, ela pensou que ia
embora!
O ódio me subiu a cabeça com força, eu
tinha força de leão mesmo pesando apenas cinquenta quilos, ninguém apertou meu
nariz, cuspi a medicação longe e invadi o posto de enfermagem, pulei no pescoço
da enfermeira sádica e comecei a bater nela. Veio um médico, veio outra
enfermeira, e um enfermeiro também, eu quebrei a haste dos óculos do médico,
derrubei a todos no chão, quebrei tudo na enfermaria, chutei a enfermeira que
me chamou de otária, ninguém conseguia me dominar, veio um enfermeiro, negro
alto e bem forte, falou umas palavras:
-Saia, entidade, saia!
Quando ele disse isto, perdi as forças,
me acalmei, o enfermeiro olhava nos meus olhos e me dominava como uma cobra que
atrai o pássaro para o bote. Eu não queria parar, mas o olhar dele me
hipnotizava. Ele me pegou no colo e foi descendo as escadarias, cada degrau
tinha mais ou menos dois metros de comprimento... Parecia a escadaria de um
castelo medieval, fui levada por ele sem resistência minha. Eu não tinha forças
para lidar com aquele homem.
Então, ele me levou para a seção
E/F e me amarrou, colocou um objeto de
algodão, dentro da minha língua, me amordaçou, outros funcionários trouxeram o pianinho de eletrochoques, e me
fizeram ver seis pacientes tomando eletrochoque sem anestesia, elas
convulsionavam e gemiam, se retorciam de dor, os olhos viravam, era um cena de
tortura, pois antes da aplicação dos eletrochoques eles diziam coisas ruins de
punição para as pacientes, era uma cena de
horror.
O médico com a haste direita dos óculos,
remendado com esparadrapo disse:
- Sua peste, você me deu prejuízo
desgraçada, quebrou os meus óculos, aqui você terá de se comportar como gente,
sua mãe não te deu educação em casa, você viu o que aconteceu com tuas colegas?
Estão todas desmaiadas. Agora é a sua vez...
Com cara de sádico, ele aplicou o
eletrochoque, fiquei paralisada de medo, senti o início do eletrochoque, senti
meus olhos virando, o globo ocular de cada olho parecia virar ao avesso. Meu
corpo todo tremia, sentia meu estômago tremer, sentia pensar gemidos e não
palavras, eu estava entregue e vulnerável ao médico. Desmaiei e perdi a
consciência providencialmente.
Acordei amarrada numa enfermaria cheia
de leitos, sem memória, com muita sede, pois passei a noite toda amordaçada e
com aquele objeto na minha língua, não conseguia salivar sequer, parecia que eu
ia morrer, até o ar para respirar me faltava, e além de tudo, eu estava
ameaçada por Dulce.
Então, logo pela manhã, a única alma boa
que trabalhava naquele lugar... Veio e me desamarrou!
Ela se chamava Isabel, um verdadeiro
anjo, esta enfermeira se tornou minha protetora, trabalhava todos os dias lá,
era atendente de enfermagem. Não tinha curso superior, não chegava a ser uma
auxiliar, mas era boa, caridosa, humilde, bonita, e doce. Seus cabelos eram
castanhos num tom médio nem claro e nem escuro... Seus dentes eram perfeitos,
olhos castanhos claros cor de mel, a pele era muito bonita e branca, de mãos
pequenas e corpo magro.
Ela disse:
-Joyce, vou explicar o sistema daqui,
temos hoje mais de mil pessoas internadas, e você não será chamada pelo seu
nome, infelizmente, será chamada pelo seu número. Você é a paciente número mil trezentos e
treze e será chamada sempre assim, nunca pelo seu nome, quando você ouvir 1313,
ou simplesmente treze, lembre-se estão chamando por você.
Esta maneira de tratar as pessoas,
evidenciava aniquilação e perda de identidade, Isabel cumpria ordens, e ficava
penalizada em me chamar de 1313, eu percebia isto. Meus calçados sumiram, eu
estava descalça, queria tomar um banho e Rosangela me emprestou toalha e
sabonete. Vesti a mesma roupa, foi horrível, o chuveiro era frio dentro de um
banheiro extremamente nojento... Sempre com piolhos nos lavatórios.
Ali estava eu, com frio, quase sem
memória, pós eletrochoque, sem nada pra calçar no pé, e chorando muito, pois a
enfermeira sádica da noite, havia dito
que não sabia se minha mãe voltaria, e eu achava que não... Fiquei muito
insegura e triste e a memória voltava aos poucos...
O fato é que naquela época, quem era
dono de uma instituição destas, no caso o Doutor Benedicto Arthur, levava uma
grande fatia em dinheiro, enriquecendo ao internar pessoas, sem critérios
rigorosos, ou melhor, sem critério algum. Eles internavam o maior número de
pacientes possível, internavam realmente muita gente, por qualquer motivo que
fosse, e lá ficavam estas pessoas abandonadas, sem nenhuma terapia que fizesse
grande diferença na vida delas. Sendo dopadas, sem atividade alguma de
recuperação, tomando eletrochoque como punição e sofrendo diversos tipos de
maus-tratos, em meio à sujeira, e misturadas às idades, patologias, e
criminosas cumprindo pena também. Ficar lá era um trauma, e esquecer para
sempre este passado, colocar uma pedra, seria maravilhoso, exceto pela
obrigação de denunciar isto tudo.
Então meu depoimento tão real segue por
outras mãos e outros olhos, não dava para colocar uma pedra em cima disto tudo.
Mas era insuportável hoje para mim que
sou a Joyce recuperada, escrever item por item desta história dolorosa e
sombria, então embora eu escrevesse bem, contratei outra escritora para ajudar
a escrever minha história que continua a narrativa deste meu penar que muito me
ensinou:
Joyce estava transtornada e com muito
medo, ficou triste desceu para o café, novamente com nojo, pegou um pão, foi
comer bem longe das outras pacientes...
Ela estava descalça e com muito frio, no
pátio onde tinha as árvores, os arbustos estavam brancos, cobertos de geada e
os médicos e enfermeiros e funcionários passavam com pesados casacos e blusas
de lã sem se importar em nada com o frio que a menina sentia... A juvenil já
não tinha mais nome, era apenas 1313, e agora também invisível aos desumanos
olhos daqueles que fizeram lindos juramentos ao se formarem...
Viu um senhor bem idoso, magro de
chapéu, plantando mudas de flores em volta de uma árvore, resolveu falar com
ele.
- Ei senhor, pode notar como estou com
frio? Roubaram minha sandalinha e também
minhas meias, eu estou me sentindo uma mendiga... Oh estou abandonada, a
enfermeira disse que nunca mais ninguém virá me buscar... Estou com medo e com
muito frio. Se meu avô estivesse vivo, ele não ia permitir isto, ele não ia
não, o senhor se parece com meu avô, talvez possa me agasalhar.
Mesmo assim, o velhinho se retirou virando as
costas sem dar resposta ou atenção alguma ao que Joyce dizia. E esta atitude do
idoso gerou um desabamento emocional maior ainda, com um frio emocional maior
que o frio da temperatura, foi algo de acabar com tudo.
Mordeu o pão com manteiga, desabou a
chorar bem alto, com o pão na boca, que caiu, sabiás vieram comer este pão.
Então ela se assentou debaixo do enorme
pinheiro, e chorou, chorou... Olhou para cima, viu os raios de sol gelado de
inverno por entre os galhos, sentiu a presença de Deus, silenciou o pranto,
teve um minuto de paz, ficou recostada na árvore encolhida de frio na esperança
de que o sol brilhasse...
Pensou “Sou membro de uma família e não um
inimigo concorrente a ser derrotado... Sou parte de um lar, não um fracasso que
deva ser desprezado, luto como posso, faço o que está ao meu alcance... Como
eles puderam me abandonar neste inferno?”.
Cantou bem baixinho para Deus com voz de
menina de treze anos, uma música chamada Nas
estrelas, do grupo Vencedores para
Cristo, tinha uma estrofe em particular, que fazia Joyce acreditar e se
apegar com Deus: “Até que um dia seu amor
senti...Sua imensa graça recebi... Descobri, então, que Deus não vive, longe,
lá no céu, sem se importar comigo.”
Sendo assim... Sentiu naquele momento,
que não estava abandonada, sentiu a presença de Deus e ele estava com Joyce...
Foi surpreendida com o velhinho de
chapéu.
Ele trouxe um pesado casaco, meias e um
“par” de chinelos de tiras, um azul e outro salmão... Coloquei as meias de lã,
o casaco, fiquei agradecida, abracei o velhinho, ele me disse:
- Trabalho na lavanderia do hospital,
quando precisar de roupas limpas passe por lá, fica atrás deste Pinheiro, eu
arrumo agasalho pra você!
Joyce agradeceu e chorou então velhinho
a consolou dizendo:
- Não chore menina, você é tão meiga,
vai ficar boa logo, tenho certeza que sua família não vai abandonar uma pessoa
doce como você!
As pacientes terminaram de tomar café e
vieram correndo feitos cavalos selvagens descontrolados. Uma moça muito magra
apelidada pelas outras pacientes, de “caveira negra”, sempre andava nua, e veio
correndo em direção dela para beijar sua boca à força. Correu e se
desvencilhou... Então a frágil menina viu que tinha que se fortalecer, visto
que ali, muitas estavam cumprindo pena, já haviam matado e poderiam matá-la,
sem dúvida, certamente ficaria por isso mesmo, ninguém iria lutar tanto por
justiça assim. Mas Joyce queria viver e se libertar do hospício, dos estigmas e
do rótulo fornecido por sua patologia.
Teve a ideia de formar um grupo forte de
meninas e mulheres do bem para se proteger dos ataques das que a ameaçavam.
Ela estava confusa, às vezes tinha a
sensação que outra pessoa habitava seu corpo junto com ela... Tentava descobrir
quem era a outra pessoa. Era muito real esta presença e assustadora.
Desanimada comparava o hospício com o
país das maravilhas, onde tudo corria ao avesso. Seria ali a casa do chapeleiro
maluco? Não... Ali, não era o país das maravilhas, parecia o inferno, destes
infernos que a gente vê em filmes... Para onde vão os maus...
Logo veio o inchaço e a inquietação, ela
estava sendo dopada com 45 comprimidos de Haldol
por dia...
Engordou oito quilos, em poucos dias, os
nervos estavam duros impregnados...
Mas nenhuma medicação conseguia apagar a
voz que ouvia do mundo espiritual, uma entidade chamada Mantus... Era um
sussurro real no ar, não era uma voz dentro da cabeça. Não dava ordens... Nem
era uma voz igual a de todo esquizofrênico.
A psiquiatria considerava Joyce
esquizofrênica, mas um esquizofrênico não se cura nunca, e não pode passar a
vida toda sem remédios.
E Mantus ria e ria, perturbava Joyce...
Em meio a uma gargalhada assustadora dizia:
- Sua cadelinha louca, era isto mesmo
que eu queria, ver você num hospício de louco. Era isso mesmo que eu queria.
E
quanto menos a medicina acreditasse no mundo espiritual, melhor seria para o
Mantus que podia agir livremente...
Joyce não sabia nada sobre esta doença,
e o diagnóstico da esquizofrenia não se pode efetuar através da análise de
parâmetros fisiológicos ou bioquímicos e resulta apenas da observação clínica
cuidadosa das manifestações do transtorno ao longo do tempo. Não aparece em
exames.
Quando ao diagnóstico, foi diagnosticada
pelo mesmo diagnóstico de uma famosa possuída na Alemanha, Emily Rose, psicose
epilética, é importante que o médico saiba conhecer doenças semelhantes e
descarte com certeza outras doenças ou condições que possam produzir sintomas
psicóticos semelhantes (uso de drogas, epilepsia, tumor cerebral, alterações
metabólicas).
Joyce também era diagnosticada como
epilética sem jamais ter tido um ataque. E sem jamais ter feito uma exame
simples que fosse.
Nunca havia feito exame para detectar
epilepsia, mas tomava além do Haldol
Gardenal e Akneton
e Fernegan.
Existem cinco tipos de esquizofrenia,
mas os médicos não sabiam identificar que tipo de esquizofrenia. Eles não
sabiam se ela tinha mesmo de fato esta patologia.
Era uma psicose induzida por medicamentos (isto na medicina se chama
iatrogenia). Mas isto a medicina não conta... E muitas vezes afirma não ser
comprovada. Ou seja, um erro médico. Proposital ou não, alguém lucrava com
isto.
Em 1979 a quem interessava lucrar com a
doença mental?
Pessoas como o dono do hospital tinham
grande interesse em internar pessoas. Quanto mais loucos, ou mesmo pessoas como
Rosângela que era gaga, lésbicas e outras mais que nem tinham comportamento
psicótico, internavam e quanto mais internavam, mais lucros obtinham, o antigo
INPS pagava tudo, até internação de indigente (aqueles que não contribuíam para
a previdência eram chamados assim).
Rosângela e Joyce dormiam em quartos
diferentes, Joyce estava na seção E/F e Rosângela na seção C/D.
As pacientes que ficavam junto com Joyce
foram muito dopadas e dormiam feito pedras, Rosângela apareceu no quarto de
Joyce para ver se estava tudo bem.
Joyce deitada de cabeça coberta estava
com medo de Mantus... Ele falava palavrões repetidas vezes e ria, para
enlouquecer Joyce.
E no momento destes insultos, Rosângela
entrou no quarto e procurou algo em baixo da cama, a menina pensou que havia
alguém em baixo da cama de Joyce, ela escutou alguém falando palavrões, começou
a perguntar:
-Quem está escondido aí?
A voz silenciou, Rosângela ficou com
medo e foi dormir, saiu do quarto, passou pelo corredor, subiu largas escadas
de cerâmica vermelha e foi para o andar de cima deitar e cobrir a cabeça
também.
No dia seguinte ela perguntou a Joyce
quem a xingava no quarto...
- É o demônio Mantus, Rosângela, ele diz
que vai me matar!
- Estou com medo dele!
- Não tenha medo, Rosângela, vamos nos
juntar a Cristo, ninguém pode ser maior que Deus!
- Eu ouvi a voz dele, Joyce!
- Então você acredita amiga, que eu não
sou louca?
- A...acredito (gaguejava Rosângela)
branca de pavor... Eu acredito, porque ouvi!
Depois de uma semana, Joyce passou numa
consulta com o médico.
O médico muito indiferente, arrogante e
pedante disse:
-1313, entre!
A menina entrou e ficou quieta olhando
para o médico.
- Ô treze, que unhas são estas pintadas
de amarelo? (Naquele tempo o normal era pintar de cor de rosa, ou vermelho,
marrom, cor de vinho, coral, lilás, e no máximo branco, ninguém pintava as
unhas de azul, verde, amarelo, preto, ninguém decorava unhas, mas Joyce tinha
vontade de inovar).
-Eu mandei a manicure pintar de branco,
e o cintilante era meio amarelado utilizado apenas pra colocar por cima de um
esmalte lilás, ficou amarelo porque eu quis assim, eu queria unhas de noiva
virgem... Eu queria branco, mas não tão branco,
não gosto muito de branco. Eu queria me casar com o Marcos.
-Quer se casar com treze anos?
-Com treze anos não. Mas queria poder me
livrar de minha família me casando, se eu pudesse.
-Mas pintou as unhas para se casar?
-Queria poder casar e ir embora de casa,
igual minha irmã vai fazer... Ela poderá se livrar da minha família, eu não.
-Você ouve vozes?
-Escuto a voz do “abo” que se enfia
debaixo da cama pra falar comigo.
-Quem é o abo?
-É o diabo. Apelidei de “abo” na
esperança de ser boazinha com ele, e ele ficar com pena de me perturbar e ir
embora, mas ele não vai...
-Ô 1313... Ninguém, mas ninguém mesmo se enfia
debaixo da cama pra falar com ninguém, este “abo” é fruto da sua imaginação...
Você acha normal falar com vozes produzidas pela sua imaginação que se enfiam
debaixo de sua cama? Acha normal pintar unhas de amarelo e querer se casar aos
treze anos?
-Eu fico revoltada, porque o senhor
enxerga minha loucura, e não enxerga a sua loucura, e o senhor pode reparar em
alguém? Já notou bem o seu hospício?
A garota petulante se levantou e começou
a contar nos dedos:
1) Acha normal as enfermeiras roubarem
nossos calçados?
2) Acha normal maltratar das pessoas,
chamando uma paciente de otária?
3) Bater na gente e dar eletrochoque
como castigo?
4) O senhor acha normal chamar um ser
humano de 1313?
Eu tenho nome, meu nome é Joyce,
entendeu bem? Joyce!
Eu exijo ser chamada pelo meu nome.
5)Acha normal dar salada de vermes para
nós?
6) Acha normal deixar a gente dormindo
ao lado de mulheres sem noção do que fazem e que tentam arrancar nossos olhos?
7)Acha normal ter uma assassina andando
pelo hospital ameaçando as outras pacientes e beijando outra mulher na boca
para deixar a todos chocados, não porque gosta da mulher mas porque quer chocar
a todos. Doutor o senhor não é ninguém para avaliar o que é e o que não é
normal. Tudo o que acontece aqui é muito pior do que pintar as unhas de amarelo
ou querer casar-se muito jovem!
- Sim1313, será chamada de 1313 sim, e
você está numa ótima instituição, e não está em posição de exigir nada, a
comida daqui não tem salada de vermes, vá brincar lá fora, já vi que você não
fez nenhum progresso em uma semana... Ao contrário, piorou até...
-Estou numa ótima instituição falida
Doutor 2424, eu te chamarei pelo número que eu vou lhe dar, eu não acho aqui
ótimo, me tire daqui (começou a gritar bem alto). Interne a vaca de sua mãe
aqui no meu lugar! Doutor 2424 se você
acha aqui bom ponha a cadela de sua mãe aqui. Seu desgraçado! E os copos
plásticos onde vocês dão a medicação hein? São encardidos e cheio de lodo, os
lavatórios são nojentos, sujos cheio de piolhos, vocês não tem vergonha de me achar anormal?
Então... Vermelho de ódio, o médico
disse:
-Vai se arrepender de chamar minha mãe
de vaca, cadela, 1313, eu já falei que cada agressão vale um castigo! Eu vou te
dar um chá de sumiço, um sossega leão e vai dormir por dias! Quando eu terminar
de atender aqui, algo horrível vai te acontecer, agora saia daqui!
Joyce saiu branca de medo, sabia que
seria terrivelmente castigada, mesmo assim ainda falou:
-Vocês médicos são muito arrogantes para
admitir a merda que estão fazendo comigo, vocês não são médicos, são
criminosos, lúcidos perigosos.
-1313
você vai dar sossego até para seu demônio, verá. Vai se arrepender de me
agredir, vai se arrepender.
A paciente rebelde saiu no corredor,
tremia e estava transtornada ainda mais, se acalmou um pouco e escutou a música
que tocava, Song For Guy de Elton John.
Ela ficou ouvindo e chorando, depois se isolou
no pátio, se escondeu atrás de uma árvore, chorou, sabia que o médico não estava brincando.
Ela se escondeu como pode, mas depois de
muitas horas. Isabel localizou Joyce atrás da árvore:
- Ah, menina, venha comigo.
Joyce confiou em Isabel.
Ao entrar em um quarto, Isabel trancou a
porta, com lágrimas nos olhos...
- Eu peço que me perdoe, nada posso
fazer, cumpro ordens, você sofrerá uma
terapia de punição... Vou tentar convencer o médico a desistir, mas me ajude
menina, não diga nada agressivo, não agrida com palavras ao médico, por favor
menina...Eu sei que tem razão, mas só por agora, não seja agressiva com o
médico.
Isabel chorava abraçada a Joyce. Era sabido que todos temiam ao eletrochoque, Isabel teve de se recompor. O médico não podia flagrar este lamento. Doutor 2424 trouxe o pianinho, e Joyce se agarrou em Isabel:
- Por favor, Isabel não deixe o Doutor
dar choques em mim!
O médico perguntou:
- O que você prefere o choque na sua
cabeça bem prolongado e torturante ou uma injeção que paralisa o corpo todinho,
mas deixa você consciente, e parada feito uma estátua? Isto você vai sentir o
pavor se não parar de me agredir.
Isabel interveio:
- Doutor, a terapia de choque é um
tratamento e não deve ser usado como punição...
-Cale-se sua “atendentezinha” de merda,
você não sabe nada, é uma burra que não estudou nada na vida, vai querer
ensinar o “padre nosso ao vigário”? É uma ignorante, cale-se e amarre a 1313.
Mas amarre bem.
Joyce ficou quieta, não relutou na
esperança de que Isabel convencesse o médico a parar.
O médico disse:
- Isto aqui é uma espelunca!
A enfermeira implorou:
- Por favor, Doutor, clemência, releve, por favor, apenas
desta vez, por favor!
-Amarre a 13 ou eu vou acabar com você
Isabel!
Isabel amarrou-a, chorando e Joyce
resolveu não reagir.
- Deixe Isabel não chore, eu aceito a
punição, não retiro nada do que eu disse, este médico que vai me punir é um
criminoso, eu prefiro ser punida por falar a verdade, do que ser recompensada
por mentir, ou me calar diante deste absurdo todo que é aqui.
- Você vai se calar menina petulante, eu
vou calar a sua voz pra sempre, quem sabe.
O médico aplicava choquinhos leves e
intensos que não faziam Joyce desmaiar e a torturou por muito tempo e emitia um
sorrisinho sádico. Joyce não perdia a consciência e sentia muitas dores nos
nervos e a sensação desagradável dos choques. Até que os choques foram
intensificando e Joyce desmaiou... Foi um alívio para ela. E ao desmaiar,
sentiu seu espírito sair do corpo, em seguida
ficou em pé diante do próprio corpo desmaiado... Foi extraordinária a
experiência!
- Uau, teria eu morrido? Eu estou vendo meu corpo, na cama e ao mesmo
tempo estou em pé, mas como pode ser isto ?
Neste momento viu uma luz, e alguém no
meio daquela luz.
- Quem é você?
- Sou seu mestre Jesus.
- Veio me buscar né? Eu morri?
- Eu disse que minhas ovelhas
conheceriam minha voz...
Não. Você ainda não morreu, tem muito
que fazer neste mundo ainda. Não vou permitir um estrago maior, não vou
permitir que você morra assim, você está envolvida num mal espiritual muito
grande.
- Perdoe se eu errei em alguma coisa...
- Seus erros estão perdoados.
- Me proteja...
- Estarei contigo. Será liberta deste
mal. E recompensada, minha graça te acompanha, você entenderá porque foi permitido
que você atravessasse o vale da sombra da morte... Eu abençoo você!
Ele foi andando e Joyce foi atrás, ela
queria ver o rosto do mestre... Ele não queria ser seguido, mas ela o seguiu, e
se desligou dos Palmares, o espirito de Joyce
se deparou com um lugar cheio de belezas, com colunas de mármore estilo
romano, com flores em volta da coluna. Aquele local era fantástico, todos que
andavam por lá eram jovens e crianças. Isto intrigou a adolescente intrusa:
- Mestre... Por acaso... é proibida a
entrada de idosos aqui?
- Não, linda menina, aqui os velhos se
rejuvenescem... Idosos existem na Terra apenas.
Aquele corredor com colunas de mármore
tinha um tapete vermelho.
E muitas mocinhas bonitas de cabelos
longos com fitas brancas nos cabelos como se fosse um arco adornando os cabelos
delas. As mocinhas eram lindas e Joyce ficou enciumada. O mestre sabendo deste
sentimento disse:
- Tome cuidado com seus sentimentos
mocinha!
Ficou curiosa e andou muito por lá, era
prazeroso explorar o local inusitado, teve a sensação de permanecer muitos dias
lá. E realmente permaneceu muitos dias lá.
Durante o passeio pelo paraíso, viu uma
garotinha de aparência de uns três anos de idade, loira de olhos claros, prestou atenção
naquela criança que andava atrás dela o tempo todo.
Uma moça que se parecia com anjo, falou
com Joyce:
- Joyce você precisa saber, Mantus tenta
te matar ou fazer com que você mesma se mate. A missão dele é acabar com sua existência. Ele é uma entidade espiritual muito cruel e
está causando muito sofrimento em sua vida!
- Eu preciso fazer muitas perguntas.
Terá as respostas todas a seu tempo
certo.
- Eu quero viver neste lugar, não quero
mais voltar para os Palmares, nem mesmo para minha casa, não faço questão de
voltar para aquela família, me deixe ficar aqui.
A moça bonita pegou um lindo jarro de
prata levou Joyce numa fonte e derramou agua na cabeça dela dizendo:
- Está protegida da morte, sua vida está
nas mãos do Mestre Jesus o ressurreto entre os mortos, este tem poder para
impedir e impedirá um mal maior.
- Amém.
A garotinha de 3 anos pegou na mão de
Joyce a fim de levá-la de volta.
- Quem é você?
- Sou um espírito feito com força para
espantar demônios, estarei na sua vida com este rosto que você me vê agora,
terei carne e osso, serei imperfeita e humanamente comum, como os mortais, e
você me reconhecerá quando você me ver.
- Você se parece com a margarida, a
menina que brincava comigo quando eu era pequena, minha amiga imaginária.
- Sou a Margarida!
E assim, a garotinha trouxe Joyce de
volta para os Palmares.
Joyce ficou em coma por seis dias, o
médico aplicou barbitúricos em excesso, os barbitúricos podem causar morte por
depressão respiratória e cardiovascular se for administrado em excesso, e por
milagre voltou, mas quase morreu de parada respiratória, mas se aproximava o
dia de visitas, quando saberia por fim,
se sua mãe viria ou não visitá-la, seria ela abandonada ou não...
Quando acordou respirava dentro de um
balão de oxigênio, e esteve no paraíso.
O Dr. Luiz, outro médico que cuidava
dela disse:
- 1313,
você sabe que dia é hoje, sabe seu nome?
-Não sei que dia é hoje, só sei que
estamos em maio de 1979 e o senhor deveria
abolir minha escravatura, meu nome é Joyce, meu nome não é 1313 ou 13,
não é, e eu gostaria de aproveitar e lhe pedir que o senhor me chamasse pelo
meu nome e não pelo meu número!
Isabel riu do jeito de Joyce que já
livre do balão de oxigênio abraçou a enfermeira.
-Você não tem jeito Joyce? Quase morreu
e agora acorda já brigando com o Doutor Luiz?
-Quase morri não. Quase me assassinaram.
-O Doutor Manoel queria corrigir seu
comportamento!
Agora o Doutor Luiz é seu novo médico, é
ele quem vai cuidar de você, ele tem mais paciência, porém se você se comportar
mal, vai levar punição grave, então comporte-se sem agredir aos médicos, por
favor!
O médico mostrou os dedos para Joyce e
perguntou:
- Sabe quantos dedos tenho aqui?
- Tem cinco!
-Sabe quantos anos você tem?
- Tenho treze!
-Sabe seu endereço?
-Rua Dragões, número 80.
O médico disse a Isabel:
Ela está consciente!
O médico comentou com Isabel que Joyce
chegou a pontuação 3 do coma.
Um psicólogo chamado Miguel ficou
sozinho com Joyce:
- 13, 13 em oito dias nos Palmares e
você já deu o que fazer hein?
- Vocês estão todos errados.
-Meu nome é Miguel sou o seu psicólogo
vou cuidar de você aqui, ok?
- Eu chamarei você de 2020, nunca
chamarei você de Miguel, se eu sou 1313.
- Você tem que responder ok. Não tem que
retrucar desta maneira.
- Eu me sentiria idiota falando ok.
- Se acha muito esperta sendo agressiva?
- Eu me sinto capaz de me defender. Eu
não sou louca para estar aqui!
-Todas que aqui estão, dizem isto, todas
dizem que não são loucas, mas porque razão vem para cá?. Vou mandar a enfermeira
desamarrar e tirar o soro e as fraldas de você.
Sua mãe trouxe roupas e chinelos, porém,
não pudemos deixá-la ver você!
- Certamente que não, ou ela saberia que
vocês tentaram me matar.
- Você teve parada respiratória, quase
enfartou, mas isto aconteceu sozinho, não foi por causa do choque.
-Como posso confiar em alguém que
mente, 2020 você está mentindo para mim.
Foi por causa do choque sim!
- Meu nome é Miguel, não é 2020, pelo
que vejo acordou melhor de seu sono profundo, esteve em coma, você sabia disto?
E acordou fazendo suas exigências!
O psicólogo saiu e foi chamar Isabel
para tirar o soro de Joyce.
Isabel trouxe um lindo pijama, meias,
sabonete, toalha. Levou Joyce para o banho. Joyce viu que sua mãe havia trazido
roupas e carimbaram o número 1313 em todas as roupas dela, mas sentiu uma
esperança de não ser abandonada no hospício de loucos.
Joyce fez amizade com uma senhora
chamada Darcy, era negra alta e forte, Raquel
tinha medo desta senhora, Raquel tentou enforcar Joyce, Darcy interveio:
-Solte a minha amiga psicodélica!
E com força fora do comum atirou Raquel
longe de Joyce.
Ela se calou por uns 3 dias de depressão
e foi transferida para seção C e D saindo definitivamente do quarto das
retardadas, formou um grupo junto com Darcy,
Rosângela e Alda para se protegeram das agressões de Raquel, e para
protegerem crianças internadas lá que tinham entre sete a dez anos, eram muitas
e todas choravam de medo e de ausência da mãe. As mães em 1979 não tinham
direito de ficarem com seus filhos no hospital. E as crianças choravam
apavoradas e sem perspectiva de saírem de lá, eram acolhidas e acalmadas, por
Darcy e Joyce, era um quadro muito triste de se ver, e absurdamente comparado
ao holocausto, pois ali torturavam e até sem exageros matavam pessoas,
inclusive crianças.
Não eram punidos, eles tinham carta
branca do governo militar para fazerem o que entendessem com as pessoas, o
governo pagava sem reclamar as internações e nem todas eram doentes mentais,
internavam lésbicas por serem lésbicas, prostitutas levadas pela polícia, por
serem prostitutas, menores infratoras cumprindo pena, e as lésbicas faziam sexo
sem pudor ou preocupação com o que iam causar, na frente das crianças
internadas lá, por serem epilépticas... Era muito absurdo este sistema.
Ali era rotineiro, práticas de sangria,
de isolamento em quartos escuros, de banhos de água fria, além dos aparelhos
que faziam com que o paciente rodopiasse em macas ou cadeiras durante horas
para que perdesse a consciência...
Joyce passou pelos banhos de água fria,
além dos eletrochoques.
No banho de água fria Joyce era amarrada
nua (detalhe a ser observado nesta prática, em pleno inverno que chegava a
contar 2 graus com presença de geada), Joyce nua e constrangida, virgem e com
apenas 13 anos já tinha o corpo desenvolvido, tinha anatomia perfeita, lindas
pernas e quadris largos, cintura fina, seios pequenos, passava pelo olhar de
sem vergonha de um dos médicos, num banheiro sujo e horrendo, ficava de costas
e vendada, e quando ela não estivesse esperando os médicos jogavam um balde
enorme com agua gelada, este processo se repetia inúmeras vezes até a menina
ficar rendida e quase desfalecida de frio, com hipotermia.
Joyce desenvolveu uma tosse, tossia até
vomitar, apanhava no rosto cada vez que vomitava, sendo obrigada a limpar o
próprio vômito.
Isto tudo estava ocorrendo no período de
quinze dias.
E a autoestima que nunca havia sido
adequadamente bem construída, parecia descer ao ralo a cada banho frio. A cada
atitude hostil, calando Joyce a nível drástico. Aproximando-se o dia da visita,
Joyce era mais dopada ainda... Para não conseguir contar a família tudo que estava acontecendo. A família
percebia o estado de entorpecimento, e concebia como algo normal, parte do
tratamento.
O médico disse à família que estava
apenas fazendo sonoterapia e os remédios fariam com que eu não falasse muito. A
família de Joyce acreditava nos médicos, e nada sabia sobre qual patologia
Joyce poderia ter, e acreditava que o “tratamento” aplicado, teria boa resposta
e que a menina ficaria boa!
Estes métodos foram combatidos
posteriormente com a reforma psiquiátrica e o movimento antimanicomial. Mesmo
assim, lugares como o Sanatório dos Palmares, ainda perduraram por muitos anos
e diversos lugares do planeta Terra.