sexta-feira, 17 de maio de 2013

DEGUSTAÇÃO DO PRIMEIRO CAPITULO DO LIVRO O DOCE DESCONHECIDO E O RESGATE DE UMA VIDA.

Nova capa:





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SINOPSE

Doce desconhecido-E o resgate de uma vida!

Narra a vivência de Joyce a encantadora menina, que aos 13 anos de idade, sofreu erro de diagnóstico, foi dopada por médicos indo parar num hospital psiquiátrico de quinta categoria, sofreu maus-tratos, quando dopada indevidamente e tinha alucinações de falar com Deus. Estas alucinações eram lúcidas.
A trajetória retrata sua saga de doença e libertação, sonhando estar no céu e acordando no inferno.
É uma história real, sua vivência foi tão diferente.
Esta obra é trágica ou de extrema consternação, pode-se dizer, mesmo assim, é repleta de música, poesia... Então é aconselhável ler este livro... Próximo a um computador com internet, e colocar as músicas para tocar, no decorrer da leitura desta obra, no desenrolar da história, vão sendo citadas uma infinidade de músicas que fizeram parte do cenário de Joyce. Ouvindo estas músicas junto com a leitura, o leitor é remetido na história de forma impressionante.
Você vai se surpreender com esta história verídica.
Com personagens de anjos, demônios e Deus.
Você vai se emocionar, mas... Não leia se for muito medroso ou fraco, este livro é para os fortes!






Capítulo  01


Um “holocausto” brasileiro.




Quando abri meus olhos, eu nada pude enxergar direito, sentia um torpor estranho, sentia muito frio e medo, minha memória estava apagada, não lembrava quase nada do dia anterior. Tentava descobrir como é que meu quarto... Havia ficado monstruosamente grande, cheio de camas, com mulheres feias e assustadoras dormindo nelas...

Senti angústia, olhei ao teto, vi um bolor no alto, o bolor desenhava uma imagem que parecia Jesus Cristo de mãos unidas rezando a Deus. Achei incrível aquele desenho, e por um segundo me senti confortada.

As trevas haviam chegado... Chorei perdida, angustiada, muito magoada... Perdi a memória de meu próprio nome... Ah, como seria meu nome? Ao visualizar uma extensão de trinta camas, parecia estar numa enfermaria de um filme de guerra, mas o que estava acontecendo afinal?

Ouvi um barulho de urina caindo no chão, quem estava urinando no chão do meu quarto?

Fiquei nervosa, tentei me levantar, foi quando percebi que estava amarrada, que absurdo, alguém está urinando no chão do quarto, ah isto já é demais!

Era uma jovem de dezessete anos toda nua, num frio que chegava a gear lá fora, urinando em pé bem ao lado de meu leito, eu amarrada e amordaçada não podia nada dizer.

A moça nua era visivelmente retardada mental e arrancou minha mordaça, e disse:

-vou arrancar seu óio!

- Óio?

Ela tentou enfiar o dedo sujo nos meus olhos para arrancá-los, gritei freneticamente, bem alto mais do que pude.   A animalesca ficou com medo do meu grito e ficou encolhida no chão em posição fetal... Ela desistiu de arrancar meus olhos.
Tive medo dela e muito frio também, este medo aliado ao frio fez um “clic” em minha mente, sim a memória voltou, eu era Joyce, tinha apenas treze anos, estava a mercê de um sanatório chamado Sanatório dos Palmares!
Era onze de maio de 1979, a manhã mais triste de minha vida... Chorei mais um pouco.
A rádio começou a tocar música lá fora, e tocava Liverpool Express - You  Are My Love, eu me transformei no meu pior...

Agora eu me lembrava, minha família me enganou, disseram que eu ia lá apenas tomar uma injeção e depois voltar para casa, (mas não foi o que aconteceu), eles me largaram num filme de terror e foram embora.
Lá dentro era assustador, sujo, nojento, mas a parte externa parecia o céu, sempre escondendo a parte interna que era sem dúvida o inferno. Aquele “hospital” era lindo por fora, uma mansão muito bela, com um jardim imenso... Escondia maus-tratos e até assassinatos.
Minha memória voltou aos poucos, eu estava impregnada e dopada, lembrei-me que no dia anterior, minha família estava com encaminhamento para me internar, eu havia “surtado” e a despedida foi estranha, todos choravam porque eu ia tomar esta injeção. Quando o carro acelerou, olhei para trás e vi minha vó com um rosário na mão rezando, chorando e acenando.
Na entrada da mansão, havia um raro cão de guarda, era albino e assustador, bem branco, de olhos vermelhos, nunca vi cachorro de olhos vermelhos, ele era real, mas parecia de pedra, era bonzinho não fazia mal, mas parecia mau. Somente lá, no Sanatório dos Palmares havia um cão como este!
Aquele cachorrinho era real, mas parecia não ser deste mundo!
Senti medo dele, resistência de entrar no “bondoso hospital” um local que segundo o médico era uma residência de recuperação total e completa para moças desajustadas, e o médico garantiu à minha mãe que eu ficaria boa... Mesmo que eu ficasse boa, o cachorro era assustador e eu não queria entrar lá, chorei, tentei resistir, me convenceram a entrar...
Eu prestava atenção às músicas que tocavam nos lugares, as músicas me acalmavam... E no momento exato em que entrei lá, tocava uma música chamada Don't Let Me Be Misunderstood, de Santa Esmeralda.



Uma moça meiga, chamada Isabel, veio me buscar, olhei para trás, vi minha mãe chorando, minha tia Noêmia consolando e meu primo Celso também chorando... Fiquei assustada, pois acreditava que tomaria uma injeção e iria embora. Mas acreditava também que a injeção que estava por vir seria muito dolorida... Afinal todos ficavam chorando de pena de eu tomar esta “injeção”.
A enfermeira mandou que eu desse um abraço em minha mãe, achei bom, pois minha mãe só me abraçava no ano novo e não mais além deste dia.
Ao entrar, vi uma quadra de tênis, um pátio cheio de balanças e escorregadores, uma gruta de pedra que tinha um altar com uma santa e mulheres aos montes, ajoelhadas, levando flores para a santa e rezando desesperadas para saírem de lá.
E pelo que pude perceber, lá não era um local agradável de ficar... Mas por outro lado pensei  “Que bom que era só para tomar uma injeção e ir embora” (ingenuamente pensei). Confiei que minha mãe não me deixaria naquele hospício estranho, sim eu confiei. Depois da gruta, havia uma escada com degraus largos e retangulares de pedras que me levavam ao salão principal do hospício. O piso deste salão era xadrez quadriculado, em preto e branco de lajotas bem grandes, dentro daquele salão haviam muitas mulheres feitas misturadas às crianças e adolescentes... Todas descabeladas, descalças, algumas nuas andando por lá, todas assustadoras e esquisitas, outras  de cabeça raspada, pensei que o chão era um enorme tabuleiro de xadrez, e as peças poderiam ser nós mesmas, eu queria ser a rainha... Éramos manipuladas pelos médicos que faziam o que bem entendiam com as peças.
Era muito frio lá, eu estava mal agasalhada, de calça azul, uma blusa fina de moletom, nos pés  sandálias de salto médio e meias,  sentia frio nos pés.
Um bando de debochadas e com jeito de bandidas e lésbicas, vieram rir de mim... Eu já estava cabisbaixa quase chorando, com medo de ser abandonada pela família, e cada vez mais, apareciam pessoas esquisitas e assustadoras.
Raquel era chefe de um bando de menores infratoras da antiga FEBEM, hoje Fundação Casa, e era lésbica e internada lá pela justiça, pois matou uma garota de 13 anos, beijava Laura na boca na minha frente e queria me causar impacto do tipo “Eu faço o que eu quiser aqui”.
No grupo de Raquel também estava Joana, uma prostituta, que tinha setenta e cinco anos e surtada numa delegacia foi internada como louca num outro hospício em 1949 e já estava sendo transferida de hospício em hospício... Ali nos Palmares, morava há cinco anos... Elas eram delinquentes que rondavam o Sanatório dos Palmares inteirinho ameaçando a todas.
O medo foi aumentando, elas faziam gestos ameaçadores, até que Laura se aproximou:
- Quem é você nova debilóide?
- Sou uma atriz famosa
 Respondi tentando me fazer passar por alguém importante para não ser agredida.
Uma gargalhada uníssona saiu das debochadas.
- Saiba atriz, que neste pedaço quem manda sou eu. Se tentar alguma gracinha, eu te mato, você tem que obedecer e ser boazinha.
- Eu só vim tomar uma injeção, logo vou embora.
Riram mais ainda.
Raquel virou para sua amante Laura e disse:
- Viu loira?  A debilóide veio só tomar uma injeção (emitia irritantes gargalhadas), ela já vai!
Raquel pulou em cima de mim e me derrubou no chão:
- Não folgue no meu pedaço sua vaquinha de quinta!
Vieram três enfermeiras e contiveram Raquel. Fiquei chorando, tremendo de medo, eu tinha uma ponta de esperança de sair de lá naquele dia mesmo...
Uma menina de dez anos de idade, baiana, chamada Rosângela viu a cena e veio ao meu encontro, agradou meus cabelos, e disse:
- Não tenha medo, sou sua amiga.
Rosângela pegou minha mão e me mostrou a casa toda (um holocausto brasileiro). Aquele depósito de desvalidas era dividido em seções, a E/F pertencia às retardadas mentais em chances de recuperação e às recém-chegadas, a Seção C/D era para aquelas que estavam melhorando, a seção B pertencia àquelas que estavam para receber alta... E me olhou com muita seriedade:
- Jamais queira ficar na seção A...
- Mas... Por quê?   
- A seção A... Pertence àquelas pessoas que estão bem, estão de alta, porém a família jamais veio buscar, a seção de mulheres e meninas que foram abandonadas pela família, estas que ninguém quer de volta. 
Neste momento seguramente pensei que ia só tomar uma injeção e ir embora, não concebia a realidade de estar internada num hospício.
            A casa era muito grande, passei muito tempo vendo as escadarias, os banheiros nojentos com piolhos nadando na pia, rostos de mulheres descabeladas e sem dentes, rindo sem ver nada... Mulheres nuas de cabeça raspada andando por lá, em pleno frio, várias delas marchando de braços impregnados pelo Haldol.  
Foi um “tour” desolador. A pior cena, era avistar crianças aos milhares por lá, crianças de sete a dez anos, misturadas às adultas e às delinquentes que cumpriam pena...
Chorei, chorei muito. Além disto, eu tinha muitas alucinações e confusões mentais, perdia a memória e via espíritos aos montes vagando naquele local.
Que fique bem claro: Minha mãe era uma ignorante e o que me deixou assim, foram os medicamentos psiquiátricos inadequados, receitado por médicos inescrupulosos que não eram psiquiatras. Ela me levou a um clínico geral e ginecologista, reclamando que eu fiquei adolescente e estava rebelde, ele prontamente sem ser especialista, me receitou dois remédios para psicóticos, somente porque minha mãe passou por ele e reclamou que eu estava rebelde, para piorar ainda mais a situação, minha avó pensava que era calmante e me dava doses excessivas, me levando a ter várias alucinações e agressividade. Eles todos me drogaram, denúncia aqui, serve de ensinamento a pais e educadores.
Rosângela me consolava, era bondosa, não estava descolada da realidade, tinha a mente sã, foi internada lá, apenas por ter problemas de gagueira.
Na hora do almoço, me levaram junto com a seção E/F num lugar no quintal, numa cobertura onde serviam as refeições... Era tudo muito nojento, a comida era nojenta... E as retardadas babavam, tiravam a roupa, faziam coisas nojentas à mesa, além disto, elas tentavam colocar as mãos sujas na minha comida e vi uma larva no alface... Fiquei com muito nojo e angustiada, queria ir embora, não consegui comer.
A tarde foi se arrastando fria e longa, a tarde mais fria de minha vida, eu era apaixonada por um menino chamado Marcos e pensei:
“Marcos neste momento, provavelmente estará na porta da minha escola, mas eu estou aqui esperando a injeção que não chega nunca. Marcos não queria mais saber de mim, eu havia ficado com fama de menina possuída pelo demônio e louca”.
Ele não queria meus sentimentos de adolescente curiosa pela descoberta do amor, aquela tarde oferecia um sol gelado de inverno, com nuvens negras ameaçando, triste panorama, embora fosse outono ainda, a temperatura estava em 5 graus, mais ou menos, então tão triste, eu me senti num inverno abandonado de tudo e de todos, e este inverno sem amor... Pareceu com mergulhar na escuridão fria... Um passo para o adeus aos meus melhores verões, nunca mais me livraria do estigma de “louca de hospício”, eu achava que ia sarar da loucura, como quem sara de uma gripe, e que todos na sociedade também iam encarar assim... Andei pelo pátio de árvores, ouvi as folhas secas sendo pisoteadas pelas “loucas de hospício” que riam sem parar, riam de quê? Por que riam tanto? Eu não me sentia parte daquilo tudo. Tudo que eu queria era voltar a um lar que eu pensei ter, queria um cobertor xadrez para me enrolar, uma televisão e um sofá, e uma mãe sorrindo que me amasse muito e me entregasse feliz, um chocolate quente na caneca, mas eu tinha ali o abandono e todas incertezas do mundo, o frio e o coração cheio de saudades...  Marcos talvez estivesse com saudades de outro alguém, que por sua vez quem sabe com saudades de outro alguém ainda... Mas não dele!
O inverno abandonado também pode ser minha mente, a se transformar um dia  numa torre de sucessos, cheia de ideias geniais,  num futuro onde a tragédia se transformaria num livro, escrito por outra pessoa que não eu, pois eu a Joyce jamais suportaria escrever minha própria história e reviver isto tudo de novo, solitária e embalada por este monólogo inútil e vazio... Para quem? Quem poderia me entender? Para eclodir no universo das letras e se tornar mais um texto poético sem a dor do Sanatório dos Palmares... Ontem foi o verão mais lindo, eu era normal, tinha amigas, ensaiava coreografia por causa das discotecas, hoje o vazio e a solidão me assombram, folhas secas caem aqui.
Este ruído misterioso de folhas, soa como uma partida... Uma melodia triste executada por violinos, Marcos amo seus olhos, de beleza delicada, mas no verão eu estava doce como chocolate, e você preferiu contemplar a paisagem fria e parada na foto tirada de um trem que já passou há muito tempo... Você está sempre fugindo do verdadeiro amor.... Quanto tem nas mãos deixa escapar, quando perde lamenta em saudades... Melhor que eu aprecie poéticos textos, artesanais e meus como raio de sol amarelo e macio de outono!
Então... Escureceu e uma fila imensa de “loucas” fazia um caracol na escada de cerâmica vermelha, a cerâmica era retangular, milagrosamente brilhava, estava encerada, e limpa como por encanto, por volta das seis da tarde, duas enfermeiras amassavam a medicação e colocavam em sujos copos coloridos de plástico, misturando com água, e garantiam que a gente não cuspisse... Apertando nosso nariz e obrigando a tomar a medicação esmagada. Fiquei enfim aliviada, finalmente iria tomar a injeção para sair dali.
A enfermeira chamou uma paciente chamada Noêmia (que era o mesmo nome da minha tia). Confundi a situação, pensei que ela estivesse chamando minha tia pra me buscar, sem lógica na cabeça... Acreditei que minha mãe e minha tia, passaram o dia todo do lado de fora esperando eu tomar injeção, para me levar pra casa...
Indaguei à enfermeira:
- A senhora já está chamando minha tia Noêmia? Mas por que razão? Eu ainda nem tomei a injeção!
A enfermeira era estressada e muito estúpida:
- Você quer tomar injeção?
- Sim, minha mãe disse que eu ia somente tomar injeção e ir embora, por que, algum problema?
A enfermeira, de modo sádico, gargalhou com prazer, depois disse:
- Sua otária, você é bem tonta mesmo, sua mãe te internou aqui, você é “xarope”, não vai sair daqui nunca, sua mãe foi embora faz tempo, sua tia Noêmia também já foi embora faz tempo, nós não sabemos se um dia ela volta pra te ver ou pra te buscar (ria sadicamente bem alto, incitava às outras pacientes a rirem de mim também). As debochadas começaram a rir junto com a enfermeira, e cantar uma música que diziam assim:
“ É louca, é louca, é louca, sanatório é isso aí, começa na Rua Prates e termina no Palmares”... 
- Ah, que idiota, ela pensou que ia embora!
O ódio me subiu a cabeça com força, eu tinha força de leão mesmo pesando apenas cinquenta quilos, ninguém apertou meu nariz, cuspi a medicação longe e invadi o posto de enfermagem, pulei no pescoço da enfermeira sádica e comecei a bater nela. Veio um médico, veio outra enfermeira, e um enfermeiro também, eu quebrei a haste dos óculos do médico, derrubei a todos no chão, quebrei tudo na enfermaria, chutei a enfermeira que me chamou de otária, ninguém conseguia me dominar, veio um enfermeiro, negro alto e bem forte,  falou umas palavras:
-Saia, entidade, saia!
Quando ele disse isto, perdi as forças, me acalmei, o enfermeiro olhava nos meus olhos e me dominava como uma cobra que atrai o pássaro para o bote. Eu não queria parar, mas o olhar dele me hipnotizava. Ele me pegou no colo e foi descendo as escadarias, cada degrau tinha mais ou menos dois metros de comprimento... Parecia a escadaria de um castelo medieval, fui levada por ele sem resistência minha. Eu não tinha forças para lidar com aquele homem.
Então, ele me levou para a seção E/F  e me amarrou, colocou um objeto de algodão, dentro da minha língua, me amordaçou, outros funcionários  trouxeram o pianinho de eletrochoques, e me fizeram ver seis pacientes tomando eletrochoque sem anestesia, elas convulsionavam e gemiam, se retorciam de dor, os olhos viravam, era um cena de tortura, pois antes da aplicação dos eletrochoques eles diziam coisas ruins de punição para as pacientes, era uma cena de  horror.
O médico com a haste direita dos óculos, remendado com esparadrapo disse:
- Sua peste, você me deu prejuízo desgraçada, quebrou os meus óculos, aqui você terá de se comportar como gente, sua mãe não te deu educação em casa, você viu o que aconteceu com tuas colegas? Estão todas desmaiadas. Agora é a sua vez...
Com cara de sádico, ele aplicou o eletrochoque, fiquei paralisada de medo, senti o início do eletrochoque, senti meus olhos virando, o globo ocular de cada olho parecia virar ao avesso. Meu corpo todo tremia, sentia meu estômago tremer, sentia pensar gemidos e não palavras, eu estava entregue e vulnerável ao médico. Desmaiei e perdi a consciência providencialmente.
Acordei amarrada numa enfermaria cheia de leitos, sem memória, com muita sede, pois passei a noite toda amordaçada e com aquele objeto na minha língua, não conseguia salivar sequer, parecia que eu ia morrer, até o ar para respirar me faltava, e além de tudo, eu estava ameaçada por Dulce.
Então, logo pela manhã, a única alma boa que trabalhava naquele lugar... Veio e me desamarrou!
Ela se chamava Isabel, um verdadeiro anjo, esta enfermeira se tornou minha protetora, trabalhava todos os dias lá, era atendente de enfermagem. Não tinha curso superior, não chegava a ser uma auxiliar, mas era boa, caridosa, humilde, bonita, e doce. Seus cabelos eram castanhos num tom médio nem claro e nem escuro... Seus dentes eram perfeitos, olhos castanhos claros cor de mel, a pele era muito bonita e branca, de mãos pequenas e corpo magro.
Ela disse:
-Joyce, vou explicar o sistema daqui, temos hoje mais de mil pessoas internadas, e você não será chamada pelo seu nome, infelizmente, será chamada pelo seu número.  Você é a paciente número mil trezentos e treze e será chamada sempre assim, nunca pelo seu nome, quando você ouvir 1313, ou simplesmente treze, lembre-se estão chamando por você.
Esta maneira de tratar as pessoas, evidenciava aniquilação e perda de identidade, Isabel cumpria ordens, e ficava penalizada em me chamar de 1313, eu percebia isto. Meus calçados sumiram, eu estava descalça, queria tomar um banho e Rosangela me emprestou toalha e sabonete. Vesti a mesma roupa, foi horrível, o chuveiro era frio dentro de um banheiro extremamente nojento... Sempre com piolhos nos lavatórios.
Ali estava eu, com frio, quase sem memória, pós eletrochoque, sem nada pra calçar no pé, e chorando muito, pois a enfermeira sádica da noite,  havia dito que não sabia se minha mãe voltaria, e eu achava que não... Fiquei muito insegura e triste e a memória voltava aos poucos...
O fato é que naquela época, quem era dono de uma instituição destas, no caso o Doutor Benedicto Arthur, levava uma grande fatia em dinheiro, enriquecendo ao internar pessoas, sem critérios rigorosos, ou melhor, sem critério algum. Eles internavam o maior número de pacientes possível, internavam realmente muita gente, por qualquer motivo que fosse, e lá ficavam estas pessoas abandonadas, sem nenhuma terapia que fizesse grande diferença na vida delas. Sendo dopadas, sem atividade alguma de recuperação, tomando eletrochoque como punição e sofrendo diversos tipos de maus-tratos, em meio à sujeira, e misturadas às idades, patologias, e criminosas cumprindo pena também. Ficar lá era um trauma, e esquecer para sempre este passado, colocar uma pedra, seria maravilhoso, exceto pela obrigação de denunciar isto tudo.
Então meu depoimento tão real segue por outras mãos e outros olhos, não dava para colocar uma pedra em cima disto tudo. Mas era insuportável  hoje para mim que sou a Joyce recuperada, escrever item por item desta história dolorosa e sombria, então embora eu escrevesse bem, contratei outra escritora para ajudar a escrever minha história que continua a narrativa deste meu penar que muito me ensinou:
Joyce estava transtornada e com muito medo, ficou triste desceu para o café, novamente com nojo, pegou um pão, foi comer bem longe das outras pacientes...
Ela estava descalça e com muito frio, no pátio onde tinha as árvores, os arbustos estavam brancos, cobertos de geada e os médicos e enfermeiros e funcionários passavam com pesados casacos e blusas de lã sem se importar em nada com o frio que a menina sentia... A juvenil já não tinha mais nome, era apenas 1313, e agora também invisível aos desumanos olhos daqueles que fizeram lindos juramentos ao se formarem...
Viu um senhor bem idoso, magro de chapéu, plantando mudas de flores em volta de uma árvore, resolveu falar com ele.
- Ei senhor, pode notar como estou com frio?  Roubaram minha sandalinha e também minhas meias, eu estou me sentindo uma mendiga... Oh estou abandonada, a enfermeira disse que nunca mais ninguém virá me buscar... Estou com medo e com muito frio. Se meu avô estivesse vivo, ele não ia permitir isto, ele não ia não, o senhor se parece com meu avô, talvez possa me agasalhar.
 Mesmo assim, o velhinho se retirou virando as costas sem dar resposta ou atenção alguma ao que Joyce dizia. E esta atitude do idoso gerou um desabamento emocional maior ainda, com um frio emocional maior que o frio da temperatura, foi algo de acabar com tudo.
Mordeu o pão com manteiga, desabou a chorar bem alto, com o pão na boca, que caiu, sabiás vieram comer este pão.
Então ela se assentou debaixo do enorme pinheiro, e chorou, chorou... Olhou para cima, viu os raios de sol gelado de inverno por entre os galhos, sentiu a presença de Deus, silenciou o pranto, teve um minuto de paz, ficou recostada na árvore encolhida de frio na esperança de que o sol brilhasse...
Pensou “Sou membro de uma família e não um inimigo concorrente a ser derrotado... Sou parte de um lar, não um fracasso que deva ser desprezado, luto como posso, faço o que está ao meu alcance... Como eles puderam me abandonar neste inferno?”.
Cantou bem baixinho para Deus com voz de menina de treze anos, uma música chamada Nas estrelas, do grupo Vencedores para Cristo, tinha uma estrofe em particular, que fazia Joyce acreditar e se apegar com Deus: “Até que um dia seu amor senti...Sua imensa graça recebi... Descobri, então, que Deus não vive, longe, lá no céu, sem se importar comigo.”
Sendo assim... Sentiu naquele momento, que não estava abandonada, sentiu a presença de Deus e ele estava com Joyce...
Foi surpreendida com o velhinho de chapéu.
Ele trouxe um pesado casaco, meias e um “par” de chinelos de tiras, um azul e outro salmão... Coloquei as meias de lã, o casaco, fiquei agradecida, abracei o velhinho, ele me disse:
- Trabalho na lavanderia do hospital, quando precisar de roupas limpas passe por lá, fica atrás deste Pinheiro, eu arrumo agasalho pra você!
Joyce agradeceu e chorou então velhinho a consolou dizendo:
- Não chore menina, você é tão meiga, vai ficar boa logo, tenho certeza que sua família não vai abandonar uma pessoa doce como você!
As pacientes terminaram de tomar café e vieram correndo feitos cavalos selvagens descontrolados. Uma moça muito magra apelidada pelas outras pacientes, de “caveira negra”, sempre andava nua, e veio correndo em direção dela para beijar sua boca à força. Correu e se desvencilhou... Então a frágil menina viu que tinha que se fortalecer, visto que ali, muitas estavam cumprindo pena, já haviam matado e poderiam matá-la, sem dúvida, certamente ficaria por isso mesmo, ninguém iria lutar tanto por justiça assim. Mas Joyce queria viver e se libertar do hospício, dos estigmas e do rótulo fornecido por sua patologia.
Teve a ideia de formar um grupo forte de meninas e mulheres do bem para se proteger dos ataques das que a ameaçavam.
Ela estava confusa, às vezes tinha a sensação que outra pessoa habitava seu corpo junto com ela... Tentava descobrir quem era a outra pessoa. Era muito real esta presença e assustadora.
Desanimada comparava o hospício com o país das maravilhas, onde tudo corria ao avesso. Seria ali a casa do chapeleiro maluco? Não... Ali, não era o país das maravilhas, parecia o inferno, destes infernos que a gente vê em filmes... Para onde vão os maus...
Logo veio o inchaço e a inquietação, ela estava sendo dopada com 45 comprimidos de Haldol por dia...  
Engordou oito quilos, em poucos dias, os nervos estavam duros impregnados...
Mas nenhuma medicação conseguia apagar a voz que ouvia do mundo espiritual, uma entidade chamada Mantus... Era um sussurro real no ar, não era uma voz dentro da cabeça. Não dava ordens... Nem era uma voz igual a de todo esquizofrênico.
A psiquiatria considerava Joyce esquizofrênica, mas um esquizofrênico não se cura nunca, e não pode passar a vida toda sem remédios.
E Mantus ria e ria, perturbava Joyce... Em meio a uma gargalhada assustadora dizia:
- Sua cadelinha louca, era isto mesmo que eu queria, ver você num hospício de louco. Era isso mesmo que eu queria.
            E quanto menos a medicina acreditasse no mundo espiritual, melhor seria para o Mantus que podia agir livremente...
Joyce não sabia nada sobre esta doença, e o diagnóstico da esquizofrenia não se pode efetuar através da análise de parâmetros fisiológicos ou bioquímicos e resulta apenas da observação clínica cuidadosa das manifestações do transtorno ao longo do tempo. Não aparece em exames.
Quando ao diagnóstico, foi diagnosticada pelo mesmo diagnóstico de uma famosa possuída na Alemanha, Emily Rose, psicose epilética, é importante que o médico saiba conhecer doenças semelhantes e descarte com certeza outras doenças ou condições que possam produzir sintomas psicóticos semelhantes (uso de drogas, epilepsia, tumor cerebral, alterações metabólicas).
Joyce também era diagnosticada como epilética sem jamais ter tido um ataque. E sem jamais ter feito uma exame simples que fosse.
Nunca havia feito exame para detectar epilepsia, mas tomava além do Haldol Gardenal e Akneton e Fernegan.
Existem cinco tipos de esquizofrenia, mas os médicos não sabiam identificar que tipo de esquizofrenia. Eles não sabiam se ela  tinha mesmo de fato esta patologia. Era uma psicose induzida por medicamentos (isto na medicina se chama iatrogenia). Mas isto a medicina não conta... E muitas vezes afirma não ser comprovada. Ou seja, um erro médico. Proposital ou não, alguém lucrava com isto.
Em 1979 a quem interessava lucrar com a doença mental?
Pessoas como o dono do hospital tinham grande interesse em internar pessoas. Quanto mais loucos, ou mesmo pessoas como Rosângela que era gaga, lésbicas e outras mais que nem tinham comportamento psicótico, internavam e quanto mais internavam, mais lucros obtinham, o antigo INPS pagava tudo, até internação de indigente (aqueles que não contribuíam para a previdência eram chamados assim).
Rosângela e Joyce dormiam em quartos diferentes, Joyce estava na seção E/F e Rosângela na seção C/D.
As pacientes que ficavam junto com Joyce foram muito dopadas e dormiam feito pedras, Rosângela apareceu no quarto de Joyce para ver se estava tudo bem.
Joyce deitada de cabeça coberta estava com medo de Mantus... Ele falava palavrões repetidas vezes e ria, para enlouquecer Joyce.
E no momento destes insultos, Rosângela entrou no quarto e procurou algo em baixo da cama, a menina pensou que havia alguém em baixo da cama de Joyce, ela escutou alguém falando palavrões, começou a perguntar:
-Quem está escondido aí?
A voz silenciou, Rosângela ficou com medo e foi dormir, saiu do quarto, passou pelo corredor, subiu largas escadas de cerâmica vermelha e foi para o andar de cima deitar e cobrir a cabeça também.
No dia seguinte ela perguntou a Joyce quem a xingava no quarto...
- É o demônio Mantus, Rosângela, ele diz que vai me matar!
- Estou com medo dele!
- Não tenha medo, Rosângela, vamos nos juntar a Cristo, ninguém pode ser maior que Deus!
- Eu ouvi a voz dele, Joyce!
- Então você acredita amiga, que eu não sou louca?
- A...acredito (gaguejava Rosângela) branca de pavor... Eu acredito, porque ouvi!
Depois de uma semana, Joyce passou numa consulta com o médico.
O médico muito indiferente, arrogante e pedante disse:
-1313, entre!
A menina entrou e ficou quieta olhando para o médico.
- Ô treze, que unhas são estas pintadas de amarelo? (Naquele tempo o normal era pintar de cor de rosa, ou vermelho, marrom, cor de vinho, coral, lilás, e no máximo branco, ninguém pintava as unhas de azul, verde, amarelo, preto, ninguém decorava unhas, mas Joyce tinha vontade de inovar).
-Eu mandei a manicure pintar de branco, e o cintilante era meio amarelado utilizado apenas pra colocar por cima de um esmalte lilás, ficou amarelo porque eu quis assim, eu queria unhas de noiva virgem... Eu queria branco, mas não tão branco,  não gosto muito de branco. Eu queria me casar com o Marcos.
-Quer se casar com treze anos?
-Com treze anos não. Mas queria poder me livrar de minha família me casando, se eu pudesse.
-Mas pintou as unhas para se casar?
-Queria poder casar e ir embora de casa, igual minha irmã vai fazer... Ela poderá se livrar da minha família, eu não.
-Você ouve vozes?
-Escuto a voz do “abo” que se enfia debaixo da cama pra falar comigo.
-Quem é o abo?
-É o diabo. Apelidei de “abo” na esperança de ser boazinha com ele, e ele ficar com pena de me perturbar e ir embora, mas ele não vai...
 -Ô 1313... Ninguém, mas ninguém mesmo se enfia debaixo da cama pra falar com ninguém, este “abo” é fruto da sua imaginação... Você acha normal falar com vozes produzidas pela sua imaginação que se enfiam debaixo de sua cama? Acha normal pintar unhas de amarelo e querer se casar aos treze anos?
-Eu fico revoltada, porque o senhor enxerga minha loucura, e não enxerga a sua loucura, e o senhor pode reparar em alguém? Já notou bem o seu hospício?
A garota petulante se levantou e começou a contar nos dedos:
1) Acha normal as enfermeiras roubarem nossos calçados?
2) Acha normal maltratar das pessoas, chamando uma paciente de otária?
3) Bater na gente e dar eletrochoque como castigo?
4) O senhor acha normal chamar um ser humano de 1313?
Eu tenho nome, meu nome é Joyce, entendeu bem? Joyce! 
Eu exijo ser chamada pelo meu nome.
5)Acha normal dar salada de vermes para nós?
6) Acha normal deixar a gente dormindo ao lado de mulheres sem noção do que fazem e que tentam arrancar nossos olhos?
7)Acha normal ter uma assassina andando pelo hospital ameaçando as outras pacientes e beijando outra mulher na boca para deixar a todos chocados, não porque gosta da mulher mas porque quer chocar a todos. Doutor o senhor não é ninguém para avaliar o que é e o que não é normal. Tudo o que acontece aqui é muito pior do que pintar as unhas de amarelo ou querer casar-se muito jovem!
- Sim1313, será chamada de 1313 sim, e você está numa ótima instituição, e não está em posição de exigir nada, a comida daqui não tem salada de vermes, vá brincar lá fora, já vi que você não fez nenhum progresso em uma semana... Ao contrário, piorou até...
-Estou numa ótima instituição falida Doutor 2424, eu te chamarei pelo número que eu vou lhe dar, eu não acho aqui ótimo, me tire daqui (começou a gritar bem alto). Interne a vaca de sua mãe aqui no meu lugar!  Doutor 2424 se você acha aqui bom ponha a cadela de sua mãe aqui. Seu desgraçado! E os copos plásticos onde vocês dão a medicação hein? São encardidos e cheio de lodo, os lavatórios são nojentos, sujos cheio de piolhos, vocês não tem  vergonha de me achar anormal?
Então... Vermelho de ódio, o médico disse:
-Vai se arrepender de chamar minha mãe de vaca, cadela, 1313, eu já falei que cada agressão vale um castigo! Eu vou te dar um chá de sumiço, um sossega leão e vai dormir por dias! Quando eu terminar de atender aqui, algo horrível vai te acontecer, agora saia daqui!
Joyce saiu branca de medo, sabia que seria terrivelmente castigada, mesmo assim ainda falou:
-Vocês médicos são muito arrogantes para admitir a merda que estão fazendo comigo, vocês não são médicos, são criminosos, lúcidos perigosos.
-1313  você vai dar sossego até para seu demônio, verá. Vai se arrepender de me agredir, vai se arrepender.
A paciente rebelde saiu no corredor, tremia e estava transtornada ainda mais, se acalmou um pouco e escutou a música que tocava, Song For Guy de Elton John.  


Ela ficou ouvindo e chorando, depois se isolou no pátio, se escondeu atrás de uma árvore, chorou,  sabia que o médico não estava brincando.
Ela se escondeu como pode, mas depois de muitas horas. Isabel localizou Joyce atrás da árvore:
- Ah, menina, venha comigo.
Joyce confiou em Isabel.
Ao entrar em um quarto, Isabel trancou a porta, com lágrimas  nos olhos...
- Eu peço que me perdoe, nada posso fazer, cumpro ordens,  você sofrerá uma terapia de punição... Vou tentar convencer o médico a desistir, mas me ajude menina, não diga nada agressivo, não agrida com palavras ao médico, por favor menina...Eu sei que tem razão, mas só por agora, não seja agressiva com o médico.

Isabel chorava abraçada a Joyce. Era sabido que todos temiam ao eletrochoque, Isabel teve de se recompor. O médico não podia flagrar este lamento.  Doutor 2424 trouxe o pianinho, e Joyce se agarrou em Isabel:
- Por favor, Isabel não deixe o Doutor dar choques em mim!
O médico perguntou:
- O que você prefere o choque na sua cabeça bem prolongado e torturante ou uma injeção que paralisa o corpo todinho, mas deixa você consciente, e parada feito uma estátua? Isto você vai sentir o pavor se não parar de me agredir.
Isabel interveio:
- Doutor, a terapia de choque é um tratamento e não deve ser usado como punição...
-Cale-se sua “atendentezinha” de merda, você não sabe nada, é uma burra que não estudou nada na vida, vai querer ensinar o “padre nosso ao vigário”? É uma ignorante, cale-se e amarre a 1313. Mas amarre bem.
Joyce ficou quieta, não relutou na esperança de que Isabel convencesse o médico a parar.
O médico disse:
- Isto aqui é uma espelunca!
A enfermeira implorou:
- Por favor,  Doutor, clemência, releve, por favor, apenas desta vez, por favor!
-Amarre a 13 ou eu vou acabar com você Isabel!
Isabel amarrou-a, chorando e Joyce resolveu não reagir.
- Deixe Isabel não chore, eu aceito a punição, não retiro nada do que eu disse, este médico que vai me punir é um criminoso, eu prefiro ser punida por falar a verdade, do que ser recompensada por mentir, ou me calar diante deste absurdo todo que é aqui.
- Você vai se calar menina petulante, eu vou calar a sua voz pra sempre, quem sabe.
O médico aplicava choquinhos leves e intensos que não faziam Joyce desmaiar e a torturou por muito tempo e emitia um sorrisinho sádico. Joyce não perdia a consciência e sentia muitas dores nos nervos e a sensação desagradável dos choques. Até que os choques foram intensificando e Joyce desmaiou... Foi um alívio para ela. E ao desmaiar, sentiu seu espírito sair do corpo, em seguida   ficou em pé diante do próprio corpo desmaiado... Foi extraordinária a experiência!
- Uau, teria eu morrido?  Eu estou vendo meu corpo, na cama e ao mesmo tempo estou em pé, mas como pode ser isto ?
Neste momento viu uma luz, e alguém no meio daquela luz.
- Quem é você?
- Sou seu mestre Jesus.
- Veio me buscar né? Eu morri?
- Eu disse que minhas ovelhas conheceriam minha voz...
Não. Você ainda não morreu, tem muito que fazer neste mundo ainda. Não vou permitir um estrago maior, não vou permitir que você morra assim, você está envolvida num mal espiritual muito grande.
- Perdoe se eu errei em alguma coisa...
- Seus erros estão perdoados.
- Me proteja...
- Estarei contigo. Será liberta deste mal. E recompensada, minha graça te acompanha, você entenderá porque foi permitido que você atravessasse o vale da sombra da morte... Eu abençoo você!
Ele foi andando e Joyce foi atrás, ela queria ver o rosto do mestre... Ele não queria ser seguido, mas ela o seguiu, e se desligou dos Palmares, o espirito de Joyce  se deparou com um lugar cheio de belezas, com colunas de mármore estilo romano, com flores em volta da coluna. Aquele local era fantástico, todos que andavam por lá eram jovens e crianças. Isto intrigou a adolescente intrusa:
- Mestre... Por acaso... é proibida a entrada de idosos aqui?
- Não, linda menina, aqui os velhos se rejuvenescem... Idosos existem na Terra apenas.
Aquele corredor com colunas de mármore tinha um tapete vermelho.
E muitas mocinhas bonitas de cabelos longos com fitas brancas nos cabelos como se fosse um arco adornando os cabelos delas. As mocinhas eram lindas e Joyce ficou enciumada. O mestre sabendo deste sentimento disse:
- Tome cuidado com seus sentimentos mocinha!
Ficou curiosa e andou muito por lá, era prazeroso explorar o local inusitado, teve a sensação de permanecer muitos dias lá. E realmente permaneceu muitos dias lá.
Durante o passeio pelo paraíso, viu uma garotinha de aparência de uns três anos de idade,  loira de olhos claros, prestou atenção naquela criança que andava atrás dela o tempo todo.
Uma moça que se parecia com anjo, falou com Joyce:
- Joyce você precisa saber, Mantus tenta te matar ou fazer com que você mesma se mate. A missão dele  é acabar com sua existência.  Ele é uma entidade espiritual muito cruel e está causando muito sofrimento em sua vida!
- Eu preciso fazer muitas perguntas.
Terá as respostas todas a seu tempo certo.
- Eu quero viver neste lugar, não quero mais voltar para os Palmares, nem mesmo para minha casa, não faço questão de voltar para aquela família, me deixe ficar aqui.
A moça bonita pegou um lindo jarro de prata levou Joyce numa fonte e derramou agua na cabeça dela dizendo:
- Está protegida da morte, sua vida está nas mãos do Mestre Jesus o ressurreto entre os mortos, este tem poder para impedir e impedirá um mal maior.
- Amém.
A garotinha de 3 anos pegou na mão de Joyce a fim de levá-la de volta.
- Quem é você?
- Sou um espírito feito com força para espantar demônios, estarei na sua vida com este rosto que você me vê agora, terei carne e osso, serei imperfeita e humanamente comum, como os mortais, e você me reconhecerá quando você me ver.
- Você se parece com a margarida, a menina que brincava comigo quando eu era pequena, minha amiga imaginária.
- Sou a Margarida!
E assim, a garotinha trouxe Joyce de volta para os Palmares.
Joyce ficou em coma por seis dias, o médico aplicou barbitúricos em excesso, os barbitúricos podem causar morte por depressão respiratória e cardiovascular se for administrado em excesso, e por milagre voltou, mas quase morreu de parada respiratória, mas se aproximava o dia de visitas, quando saberia por fim,  se sua mãe viria ou não visitá-la, seria ela abandonada ou não...
Quando acordou respirava dentro de um balão de oxigênio,  e esteve no paraíso. O Dr. Luiz, outro  médico que cuidava dela disse:
- 1313,  você sabe que dia é hoje, sabe seu nome?
-Não sei que dia é hoje, só sei que estamos em maio de 1979 e o senhor deveria  abolir minha escravatura, meu nome é Joyce, meu nome não é 1313 ou 13, não é, e eu gostaria de aproveitar e lhe pedir que o senhor me chamasse pelo meu nome e não pelo meu número!
Isabel riu do jeito de Joyce que já livre do balão de oxigênio abraçou a enfermeira.
-Você não tem jeito Joyce? Quase morreu e agora acorda já brigando com o Doutor Luiz?
-Quase morri não. Quase me assassinaram.
-O Doutor Manoel queria corrigir seu comportamento!
Agora o Doutor Luiz é seu novo médico, é ele quem vai cuidar de você, ele tem mais paciência, porém se você se comportar mal, vai levar punição grave, então comporte-se sem agredir aos médicos, por favor!
O médico mostrou os dedos para Joyce e perguntou:
- Sabe quantos dedos tenho aqui?
- Tem cinco!
-Sabe quantos anos você tem?
- Tenho treze!
-Sabe seu endereço?
-Rua Dragões, número 80.
O médico disse a Isabel:
Ela está consciente!
O médico comentou com Isabel que Joyce chegou a pontuação 3 do coma.
Um psicólogo chamado Miguel ficou sozinho com Joyce:
- 13, 13 em oito dias nos Palmares e você já deu o que fazer hein?
- Vocês estão todos errados.
-Meu nome é Miguel sou o seu psicólogo vou cuidar de você aqui, ok?
- Eu chamarei você de 2020, nunca chamarei você de Miguel, se eu sou 1313.
- Você tem que responder ok. Não tem que retrucar desta maneira.
- Eu me sentiria idiota falando ok.
- Se acha muito esperta sendo agressiva?
- Eu me sinto capaz de me defender. Eu não sou louca para estar aqui!
-Todas que aqui estão, dizem isto, todas dizem que não são loucas, mas porque razão vem para cá?. Vou mandar a enfermeira desamarrar e tirar o soro e as fraldas de você.
Sua mãe trouxe roupas e chinelos, porém, não pudemos deixá-la ver você!
- Certamente que não, ou ela saberia que vocês tentaram me matar.
- Você teve parada respiratória, quase enfartou, mas isto aconteceu sozinho, não foi por causa do choque.
-Como posso confiar em alguém que mente,  2020 você está mentindo para mim. Foi por causa do choque sim!
- Meu nome é Miguel, não é 2020, pelo que vejo acordou melhor de seu sono profundo, esteve em coma, você sabia disto? E acordou fazendo suas exigências!
O psicólogo saiu e foi chamar Isabel para tirar o soro de Joyce.
Isabel trouxe um lindo pijama, meias, sabonete, toalha. Levou Joyce para o banho. Joyce viu que sua mãe havia trazido roupas e carimbaram o número 1313 em todas as roupas dela, mas sentiu uma esperança de não ser abandonada no hospício de loucos.
Joyce fez amizade com uma senhora chamada Darcy, era negra alta e forte, Raquel  tinha medo desta senhora, Raquel tentou enforcar Joyce, Darcy interveio:
-Solte a minha amiga psicodélica!
E com força fora do comum atirou Raquel longe de Joyce.
Ela se calou por uns 3 dias de depressão e foi transferida para seção C e D saindo definitivamente do quarto das retardadas, formou um grupo junto com Darcy,  Rosângela e Alda para se protegeram das agressões de Raquel, e para protegerem crianças internadas lá que tinham entre sete a dez anos, eram muitas e todas choravam de medo e de ausência da mãe. As mães em 1979 não tinham direito de ficarem com seus filhos no hospital. E as crianças choravam apavoradas e sem perspectiva de saírem de lá, eram acolhidas e acalmadas, por Darcy e Joyce, era um quadro muito triste de se ver, e absurdamente comparado ao holocausto, pois ali torturavam e até sem exageros matavam pessoas, inclusive crianças.
Não eram punidos, eles tinham carta branca do governo militar para fazerem o que entendessem com as pessoas, o governo pagava sem reclamar as internações e nem todas eram doentes mentais, internavam lésbicas por serem lésbicas, prostitutas levadas pela polícia, por serem prostitutas, menores infratoras cumprindo pena, e as lésbicas faziam sexo sem pudor ou preocupação com o que iam causar, na frente das crianças internadas lá, por serem epilépticas... Era muito absurdo este sistema.
Ali era rotineiro, práticas de sangria, de isolamento em quartos escuros, de banhos de água fria, além dos aparelhos que faziam com que o paciente rodopiasse em macas ou cadeiras durante horas para que perdesse a consciência...
Joyce passou pelos banhos de água fria, além dos  eletrochoques.
No banho de água fria Joyce era amarrada nua (detalhe a ser observado nesta prática, em pleno inverno que chegava a contar 2 graus com presença de geada), Joyce nua e constrangida, virgem e com apenas 13 anos já tinha o corpo desenvolvido, tinha anatomia perfeita, lindas pernas e quadris largos, cintura fina, seios pequenos, passava pelo olhar de sem vergonha de um dos médicos, num banheiro sujo e horrendo, ficava de costas e vendada, e quando ela não estivesse esperando os médicos jogavam um balde enorme com agua gelada, este processo se repetia inúmeras vezes até a menina ficar rendida e quase desfalecida de frio, com hipotermia.
Joyce desenvolveu uma tosse, tossia até vomitar, apanhava no rosto cada vez que vomitava, sendo obrigada a limpar o próprio vômito.
Isto tudo estava ocorrendo no período de quinze dias.
E a autoestima que nunca havia sido adequadamente bem construída, parecia descer ao ralo a cada banho frio. A cada atitude hostil, calando Joyce a nível drástico. Aproximando-se o dia da visita, Joyce era mais dopada ainda... Para não conseguir contar a família  tudo que estava acontecendo. A família percebia o estado de entorpecimento, e concebia como algo normal, parte do tratamento.
O médico disse à família que estava apenas fazendo sonoterapia e os remédios fariam com que eu não falasse muito. A família de Joyce acreditava nos médicos, e nada sabia sobre qual patologia Joyce poderia ter, e acreditava que o “tratamento” aplicado, teria boa resposta e que a menina ficaria boa!
Estes métodos foram combatidos posteriormente com a reforma psiquiátrica e o movimento antimanicomial. Mesmo assim, lugares como o Sanatório dos Palmares, ainda perduraram por muitos anos e diversos lugares do planeta Terra.