quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Dois capitulos do voo das borboletas azuis






Proíbida reprodução por qualquer forma, seja ele impresso, digital, áudio ou visual sem a expressa autorização por escrito da 
Raízes da América penas criminais e ações civis.

1ª Edição. 2016.
ISBN:



Revisão: Fernanda Teles
Vendas: www.raizesdaamerica.com.br
Editor:  Klaus Scarmeloto (Direito, USJT)

Conselho de Redação:   Klaus Scarmeloto






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2.                               A Máquina Dos Sonhos De 1977


C
hoveu forte, a ladeira inclinada, formava um lindo corredor de águas límpidas, em frente à casa, exalando perfume de terra molhada, as plantas nos muros, nas sacadas ficaram lindas, e as rosas extrapolavam os limites da casa, se estendiam para além dos muros da casa de Morena Sol, que contemplava tudo com admiração e respeito pela natureza, as samambaias, roseiras e onze horas eram tudo o que possuía de verde na metrópole cinza, industrial, comercial e concreta.
Mesmo com toda natureza exuberante de flores e plantas, gratas pela chuva, largou a janela, com lindas imagens, para “inventar uma música”, usando duas goteiras caindo em duas panelas, e um pente de homem, sendo estimulado por uma agulha de tricô, passava a agulha nos dentes do pente, em um ritmo que combinava o som do pente com o som das goteiras, estava quase pensando numa letra para esta música,  no auge da canção inventada... imaginando intensamente a letra, quando a mãe falou três vezes o nome dela, sem que ela desse resposta alguma!
Grande era a concentração na composição artística! Não queria parar. A mãe, sem entender a razão desta ausência, saiu furiosa e preocupada do quarto suspirando... e comentando baixinho:
— Menina tonta!
Todos costumavam se preocupar com as ausências de Morena Sol, que vivia no “mundo da lua", aérea, distante e muito calada, assim diziam os adultos dela.
— Ela é preocupante (assim dizia a mãe ao pai) muito calada e distraída parece que vive no mundo do outro mundo, essa menina tem algum problema, um parafuso a menos!
Então, Morena se enfiava em baixo de uma escada, planejava em pensamentos, ensaiava tudo o que ia dizer para enfrentar a mãe, resmungava bem baixinho:
— São tantos os mundos para se viver, meus outros mundos são bem melhores que este, aqui vivo da escola para ca­sa, de casa para a escola, nesta cidade, onde não se pode ficar na rua, não se pode ficar à vontade, que mal tem de viajar para outros mundos e outros lugares? Por que sou preocupante?
Indagava a Morena... eu não furto, não fujo, não piso nas plantas, não tiro notas baixas, nem sou malcriada... ora essa.... Nunca fui presa, nem nunca fiz nada de errado, reconheço... só sou um pouco ruim com o meu irmãozinho, mas porque ele é muito irritante, já tem 5 para seis anos, não é nenhum bebê, e se joga no chão quando não fazem as vontades dele, e porque ele pega tudo o que é meu para brincar, e quebra de propósito, e sempre conta tudo que é estou fazendo para minha mãe. Meu irmãozinho é um “inimiguinho”.
A garota seguia com seus pensamentos:
— Morena Sol, este é meu verdadeiro nome!
Ora essa, alguém com um nome destes tem todo o direito de viajar em outros mundos e até em outros planetas. Não é apelido, não, tenho pele clara, branquinha, olhos claros amendoados-esverdeados, somente quando tomo sol, é que fico bem morena. Nem mesmo sei porque me deram este nome!
Naquele tempo, não havia nem vídeo game e nem internet, Morena Sol, lia livros, ouvia músicas, fazia desenhos, escrevia poesias e inventava mundos e muitas coisas da imaginação.
A garota estava de malas prontas, ia passar parte das férias no Rio Grande do Sul. Feliz da vida, fechava os olhos e sonhava de como ia ser viagem.
Finalmente iria conhecer Cruz Alta e Panambi, arrumava a mala atarantada. E os adultos ao redor de Morena Sol, ao saberem da grande novidade, sempre batiam em suas costas e diziam, inúmeras vezes, repetiam muito mesmo, a seguinte frase:
— “Morena Sol, você vai conhecer a cidade do grande escritor Érico Veríssimo! ” Ela ficava orgulhosa, mas ao mesmo tempo, achava desaforo ser dita como, somente a terra do escritor Érico Veríssimo, porque era a cidade aonde a vó nasceu, ora, e não somente a terra do Érico Veríssimo!
— A cidade de minha avó, isso sim, e digo mais: vou na presença de minha vó para saber bem onde é que aconteceram as histórias que ela sempre contou e eu gravei na maquininha que eu inventei!  Os adultos riam, passavam a mão na cabeça dela.
— Ah... quero inventar uma máquina, da qual se possa assistir ao passado, como se fosse um filme (sem que os protagonistas percebam, pois eles ficariam muito envergonhados). E, nesta mesma máquina, haverá um compartimento do qual as pessoas possam exibir os sonhos que tiveram, durante a noi­te, para outras pessoas.
Às vezes, as pessoas contam sonhos bem engraçados e quem ouve a narrativa do sonho, se divertiria muito mais se pudessem ver as imagens. Não é o máximo esta invenção?
Neste exato momento surge o projeto desta invenção, dia de sorte, dia 13 de janeiro de 1977, ela está eufórica, e tem nas mãos a máquina imaginária genial de ver o passado e de assistir sonhos, que por enquanto é um caleidoscópio!
— Vou levar a máquina dos sonhos na mala!
Morena Sol, de olhos grandes e curiosos amendoados tão claros que se confundem com verdes, quadris largos, cintura fina, e pequenos seios arredondados e ajeitados, parecia mulher feita... mas tinha onze anos de idade. Em 1977, em São Paulo, a rodoviária era decorada com losangos coloridos de acrílico transparente, roxo, verde, azul, vermelho e amarelo, e gigantescas ao alto...
Morena Sol ficou admirada, olhando os losangos da rodoviária. Ingênua e linda, sensual, e na timidez de seus onze anos, dava um show de feminilidade! (Sem saber). Os homens viam o corpo desenvolvido de Morena Sol e diziam coisas obscenas, sem pudor. A avó a puxou rapidamente pela mão, a fim de livra-la das grosserias dos “tarados” que estavam a mexer com sua neta, enquanto ela nem se dava conta, pois imaginava muitas coisas vendo aqueles losangos coloridos, instalados na antiga cidade de São Paulo.
Então... foi junto com a avó tomar um café, à espera do horário do ônibus, se sentiu importante tomando aquele café, antes de partir para sua aventura no Rio Grande do Sul, era verão, fazia calor, e lá faria mais calor ainda no verão.
Levava na bagagem de mão, escondida da avó, a máquina imaginária, a máquina de olhar o tempo passado, batizou a invenção, de XYB-99modelo 2001 (Um caleidoscópio caseiro, construído com 3 réguas), ao olhar, se transportava ao passado. Sentiu a emoção de entrar no ônibus e em seguida disse a avó:
— Morena Sol, você pode ir na janela, mas quando estiver chegando no Rio Grande do Sul, eu quero ir para a janela, quero ver as coxilhas!
— O que são coxilhas vó?
— São morrinhos, mini montanhas que só existem no Rio Grande do Sul e na Argentina.
Quando começarem a aparecer as coxilhas, quero ver a janela!
— Mas, que bobagem brigar por uma janela por causa de coxilhas, gente idosa tem cada mania! (Pensou Morena Sol). Mas, a menina não sabia de sentimentos que havia por trás dis­to... a avó deixou o Rio Grande do Sul, por conta de uma re­volução. A Anita veio fugida, deixando corações e sua terra, sua gente tudo para trás. Ver as coxilhas significava rever a própria história deixada para trás.
Em São Paulo a vó conheceu o avô José Cândido Ribeiro, filho de cearense. Mas como aquela gente do Ceará sofria!




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3.                               Uma Viagem Dentro Da Viagem
(O Filme 1
)


A
 viajante ficou duas horas olhando a janela, logo se cansou, quis trocar um pouco de lugar com a avó, pegou a máquina secreta. Então "ligou" sua XYB-99, num “clic” colorido, e se transportou para o ano de 1843 e neste ano viu dois lugares ao mesmo tempo, para a cidade de Castro, situada no Paraná e olhou também uma história que acontecia no Ceará, do qual duas histórias muito interessantes, aconteciam juntas!
Eram praticamente dois filmes paralelos, do qual gera­riam personagens que mais tarde se encontrariam em São Paulo. Um filme no Sul e outro filme no Nordeste.
Era véspera de natal, 24 de dezembro de 1843, dia bem quente de verão, Município de Castro, Paraná, fazia muito calor, o capim seco estalava, exalava seu cheiro, Francisca olhou a janela viu a jabuticabeira lá fora, dando uma safra de temporão, mexia nervosamente nas bonecas de pano da irmãzinha mais nova, transpirava mais de nervoso do que de calor, e a cigarra cantava após o almoço, o canto era triste, e parecia que a cigarra estava de luto, uma preguiça abatia Francisca de treze anos de idade, apesar de tanta preguiça, Francisca estava inquieta e porque não dizer? Aflita!
Este era o estado dela, além dela, ali também vivia sua irmãzinha Ana de 12 anos de idade que só queria brincar com todas as bonecas de louça e de pano.
As duas irmãs que viviam no ano de 1843, não podiam ver Morena Sol, mas Morena Sol sabia tudo da intimidade de Francisca e de Ana, via suas roupas, via as calcinhas delas que iam até o tornozelo, com rendinhas no tornozelo, as fitas, as bonecas de pano, as camas que dormiam, todos os pertences...
E reproduzia em sua máquina de ver o passado, várias vezes a mesma história...
Assim, a maquininha exibiu uma de suas prediletas:
Francisca apreensiva, angustiada sabia que rezaria na missa do galo, na capela Sant’Ana (Ela rezaria bastante sim, o máximo que pudesse, para que os planos do pai não dessem certo).  Os planos do pai de Ana e de Francisca eram verdadeiramente tenebrosos!
No dia seguinte no almoço de natal, exatamente, o pai apresentaria o noivo escolhido pela família dela. Isto não era tudo, além de ela de 13 anos, a irmãzinha dela de 12 também iria ficar noiva! As duas nem haviam ficado mocinhas ainda!
O noivo de Francisca tinha quarenta e dois anos de idade, era viúvo, sem filhos, e tinha muitas terras, plantava, colhia, era próspero, também tinha uma venda. Ela não sabia quem era o noivo, só sabia que ele viria para o almoço, fosse quem fosse, não queria se casar de jeito algum.
Ela sonhava mesmo, aprender a ler, escrever, gostaria de seguir outros caminhos, também não queria ser freira, destino dado às meninas da época que não queriam se casar. O pai não queria que ela aprendesse a ler e escrever, para não ficar mandando bilhetinhos para namorados não escolhidos por ele.
Francisca e Ana aprenderam a costurar, bordar, cozinhar, tinham de ser boas donas de casa, para serem boas esposas.
A mãe também treinada para obedecer ao marido, dizia amém a tudo, se recolhia ao insignificante comportamento submisso de cuidar do lar e concordar com tudo. Francisca questionava bem baixinho com medo de que o pai ouvisse:
— Casar sem amor mamãe?
— O amor vem com o tempo!
Francisca abaixava a cabeça com lágrimas es­correndo, sabia que o amor não viria não!
E Morena Sol no ano de 1977 por meio da XYB-99, continuava espiando Francisca.
Em 1843, a menina tinha as ditas regras menstruais, já era considerada mulher feita, não havia adolescência, Morena percebia o sofrimento deste tempo, observava o quarto dela, as roupas da época, os cabelos, os tecidos, a decoração, as fitas no cabelo, o rosto das duas meninas, conhecia cada centímetro da intimamente de Francisca e Ana. Conseguia ver cada detalhe de tudo, os vestidos longos, as tinas imensas aonde tomavam banho... mas via principalmente seus sonhos e sofrimentos.
Outro absurdo era que Ana a irmã mais nova, aos doze anos também ia se casar, também ia conhecer o noivo de quarenta e seis anos de idade. Francisca estava apavorada, e Ana, então? Mais ainda, tudo o que Ana queria era brincar!
Quando voltaram da missa do galo, no quarto de dormir, abraçadas em silêncio, choravam, este ia ser o natal mais triste de suas vidas, Ana ainda queria e muito, brincar com suas bonecas, Francisca já se interessava por rapazes, mas não por um homem tão mais velho assim. Ana com lágrimas nos olhos, perguntou à Francisca:
— Minha irmã, será que poderei levar minhas bonecas para onde eu for morar quando eu me casar?
— Leve, mas leve escondido, mas não deixe, nem seu marido ver, nem nossos pais, eles não permitirão que você leve nenhuma boneca, minha irmã.
Foram dormir num silêncio desanimado e triste de dar dó. O almoço foi parecido com um velório, as meninas conheceram seus “noivos”.
O noivo de Ana ia mudar-se para Cruz Alta, no Rio Grande do Sul e iria montar um comércio por lá e continuar a morar na casa da mãe, ou seja, Ana Iria morar com a sogra.
Ele sabia que a menina era muito novinha e confiaria os cuidados da menina à mãe dele, que ensinaria a garota a ser uma boa esposa ao filho dela.
Já o noivo de Francisca, iria continuar por perto daquelas terras, indo morar numa casa no meio do mato, isolada, e um pouco distante dos pais. Ambos eram sujos. O obvio aconteceu, ambas sentiram nojo dos noivos, eles eram muito velhos, com aparência de homens porcos que não gostavam de tomar banho nem no dia do natal!
Mas eram ricos, e “compraram” as meninas que deixariam de ser propriedades do pai, para se tornarem propriedades dos maridos. Depois do almoço, eles foram embora.
As meninas arrumaram a cozinha, lavaram a louça, cabisbaixas, e desanimadas, em depressão e silêncio. Nada a comentar, diante do futuro de morte em vida que estava guardado para elas. Depois choveu, e Francisca ficou sentindo o cheiro de terra molhada. E sonhando voar junto com os pássaros alegres que se divertiam na chuva, para bem longe dali. Indagava a si mesma, querendo saber a razão de não ter nascido pássaro...

Este destino era comum, e era perfeitamente legal e permitido, entregar uma garota de apenas doze ou treze anos ao casamento, naqueles tempos...